Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

108. Águia à Passarinho

Quando percebi o perigo já era tarde demais. O helicóptero passou rasante pela cobertura do prédio, erguendo grandes nuvens de neve e poeira. Lisie deu um gritinho assustado e se agachou atrás do parapeito. Vi quando, pouco antes de o helicóptero mergulhar por entre os prédios, o atirador pendurado na lateral nos observou com a luneta de seu rifle. Peguei o rádio e só então ouvi Passan gritando para que nos escondêssemos. Lisie ainda me olhava de olhos arregalados enquanto descíamos correndo as escadas, corações tentando pular fora do peito. Entramos pela passagem do esconderijo sem saber o que fazer a seguir. Mas sequer teríamos chance de pensar em algo. Passan tinha mais más noticias.

-É o segundo que passa nos últimos cinco minutos -falou, apontando para a imagem de uma das câmeras de vigilância que ele tinha instalado do lado de fora. Ali, naquela divisória quadrada da tela, um blindado usado para transporte de tropas acabara de passar, deixando redemoinhos de flocos de gelo pelo ar. -O outro era o mesmo de ontem, pelo que pude perceber...

-Pelo menos a antena funciona? -consegui dizer, sem tentar esconder a decepção na voz.

-Sim! Assim que vocês terminaram eu reiniciei o sistema e imediatamente captei as comunicações dos Deuses. Tentei avisá-los, mas vocês não respondiam. Já esperava pelo pior... pensei que fosse tarde demais.

Pude sentir meu rosto esquentar e corar com as palavras de Passan. Lisie gaguejou alguma coisa inaudível.  Passan, aparentemente sem perceber nosso embaraço, começou a explicar sobre o alcance fenomenal da antena e sua capacidade de captar mesmo as mais fracas transmissões. Olhei de canto de olho pra Lisie, esperando um olhar de cumplicidade, mas ela estava concentrada nas palavras de Passan, provavelmente imaginando as possibilidades que agora teríamos de encontrar alguém do Rosa Radioativa. Forcei meus devaneios de lado e foquei minha mente. Tentávamos captar palavras em meio a um amontoado de chiados, conforme o scanner automático da antena circulava pelas centenas de frequências possíveis. Checamos cada uma delas três vezes, mas conseguíamos captar apenas as transmissões de Amrak e dos Deuses. Os primeiros pareciam focados em patrulhar as fronteiras do que restara de sua cidade e proteger os catadores de etulhos. Já os Deuses estavam metidos em alguma coisa.

-Vamos sobrevoar outra vez -dizia o piloto do Águia. -Onde está a equipe em...-chiado- ...manter distância de combate em duzentos met...dois subindo o rio, dois a norte... aproximem-se pelo nor... pela ponte! Pela ponte! Caralho, agora, agor...

Seguiu-se um chiado forte e então silêncio completo.

-Águia, na escuta? -chamou um dos blindados, minutos depois. -Águia, na escuta? Cambio.

Quando cheguei novamente à cobertura do prédio, com o telescópio na mão, o último raio de sol sumia atrás dos esqueletos dos prédios. Ao longe, os uivos dos diabos começavam a surgir. Mas eu não temia ficar preso ali em cima. Não dessa vez. Não enquanto estivesse rolando o churrasco às margens do rio.

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