Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 19 de maio de 2009

42. Pedra

A sala para a qual levamos o homem ferido parecia saída de um filme de terror, daqueles que eram produzidos antes da Explosão. Ela costumava ser um pequeno pronto-socorro, feita para realizar procedimentos médicos simples e emergenciais, nada muito complicado. Mas agora, com os instrumentos enferrujados, equipamentos quebrados e sem conservação, sem medicamentos e médicos treinados, o lugar servia, no máximo, para torturar algum desafortunado. E, ainda assim, Anne insistiu para que a deixássemos olhar o ferimento.

-Pior não pode ficar -brigou ela, quando tentamos dissuadi-la a tentar ajudar - portanto ou param de me atrapalhar, ou saem daqui!

Ela limpou uma pinça e uma agulha usando o conteúdo de uma garrafa que estava por lá, e que, como cheirava a álcool, provavelmente não infeccionaria ainda mais o ferimento. Logo descobrimos que Anne sabia o que fazia. Afinal tinha sido uma ótima idéia deixá-la no comando. Ela limpou o sangue que se esparramava para fora da ferida e colocou lentamente a pinça pelo buraco da bala. O pobre homem estava praticamente inconsciente, mas ainda torceu o rosto e grunhiu quando Anne finalmente tirou o estilhaço que havia se alojado em sua barriga.

-Não dá pra ver se algum órgão foi atingido, mas, de qualquer forma, eu não poderia fazer muita coisa mais por ele.

Anne não parecia muito segura se conseguiria salvar seu paciente, mas fez o melhor que pode. Suturou o ferimento com o único pacote de linha ainda lacrada e enfaixou-o com o resto de gaze e bandagens que encontramos. Quando terminamos,a pobrezinha suava frio e estava exausta, mas parecia contente com o resultado. Deixou escapar um leve sorriso de satisfação, antes de escondê-lo novamente.

-Você fez um ótimo trabalho, Anne -disse com sinceridade e surpresa, ignorando a vergonha de falar com ela. -Mas antes de você nos contar onde aprendeu essas habilidades, acho que Thompson precisa nos esclarecer algumas coisas, não é?

Thompson já empurrava a maca onde colocamos o homem ferido para o corredor. Mesmo sem dizer nada, sabíamos que ele se preparava para nos contar mais sobre seu passado. Com uma cara meio de dor e meio de insegurança começou:

-Ok. Vocês venceram, e já era mais que hora de eu contar-lhes quem eu sou de verdade -Thompson despejou as palavras sem titubear, sempre olhando adiante, enquanto continuava empurrando a maca pelos corredores daquela enorme construção. - Quando tudo começou, ou acabou, pra ser mais exato, eu tinha um pouco mais que a idade de vocês. Estava no último ano do meu mestrado, bem aqui nesse prédio. Tinha uma linda mulher, uma filha que mais parecia uma princesa -seus olhos brilhavam enquanto falava, lutando contra as lágrimas que tentavam escapar de sua máscara de seriedade - de tão maravilhosa que era. Eu tinha emprego aqui, mas queria mais pra minha vida e pra minha família, queria garantir-lhes um futuro digno. E quando a oportunidade surgiu, não a desperdicei. Foi numa noite, quando saia da sala do meu orientador, que eles aparecerem. Dois homens bem vestidos, cabelos arrumados e barbas perfeitamente feitas. Começaram com um papo sobre minhas boas notas e minhas pesquisas com recarregadores de células de energia. Disseram que precisavam de gente inteligente e decidida como eu ao lado deles. Claro que a princípio, além de obviamente assustado e desconfiado, neguei participar de qualquer coisa, mas quando começaram a falar de números, mudei de idéia imediatamente.

Entramos em um salão principal, cheio de grandes colunas e chão de mármore. De um lado havia uma grande porta de madeira, que parecia ser a entrada principal do prédio. No meio havia uma recepção toda de madeira trabalhada, com papéis e canetas ainda dispostos sobre o balcão, tudo coberto com uma generosa camada de poeira. Pelas placas que pendiam no teto deduzi que Thompson nos guiava para a ala dos dormitórios. Ele ficou em silêncio ao cruzar o saguão, admirando cada detalhe, provavelmente tentando lembrar-se das muitas coisas que lhe aconteceram naquele lugar.

-Vamos, Thompson. Conte a eles logo quem somos... -sussurrou o homem na maca.

-Contarei, Pedra, contarei.

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