Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

26. Thompson

Acordei com meu estômago aos berros. Corri para fora do esconderijo, cavei um buraco na neve e devolvi tudo o que havia dentro de mim ao mundo lá fora. Quando voltei percebi que Thompson já estava acordado havia algum tempo, e depois de ter arrumado tudo para partirmos, dava risada de mim.

-Pelo suor da sua testa, acho que aqueles espetinhos não lhe fizeram muito bem, não é?! Ou será que foi o refrigerante? - e soltou uma nova carga de risadas. - Não fique assim bravinho, garoto! Eu também não tive uma noite agradável com meu estômago...! Definitivamente não devíamos ter comido tanto, mas mesmo assim valeu a pena, eu não comia assim a duas décadas! Mas vamos esquecer isso, temos que partir logo. Trate de se arrumar.

Durantei a noite, pouco antes de dormir, tinha decidido que não mais sairia dali. Mas o nascer de um novo dia parecia ter mudado as coisas. E mudou. Thompson parecia especialmente animado em partir, e aquilo era incomum. Ele podia ser um homem sério e divertido ao mesmo tempo, sempre disposto a fazer uma piada, mas dificilmente mantinha um sorriso no rosto por muito tempo. Eu não o conhecia o bastante para saber se aquilo significava problemas, mas eu já tinha consciência de que, depois da Explosão, qualquer coisa fora do normal normalmente não era boa coisa.

-Thompson. Você parece animado. Diga-me, o que houve?

-Sabe, Nuke. Antes disso tudo acontecer - disse ele abrindo os braços -eu tinha uma família comum, uma casa simples, um emprego normal... Eu achava aquilo pouco pra mim. Eu tinha sonhos que gostaria de realizar, coisas que queria fazer, lugares pra conhecer. Eu merecia mais do que tinha, trabalhava mais do que recebia. Eu era feliz, porém queria mais para mim e minha família. Mas então aconteceu, as bombas vieram, e tudo mudou. Um flash, um tremor, uma nuvem de fumaça negra, e tudo tinha mudado - seus olhos estavam vidrados, mirando o horizonte que se espremia pela fenda do esconderijo. Ele não mexia um músculo, enquanto sua boca narrava sua história como um robô com vida própria. Seu corpo estava ali, mas sua mente o tinha levado ao passado do qual ele não queria ter saído.

-Eu... eu... - as palavras entalavam em minha garganta e se amontoavam sem se decidirem por sair.

-Sabe, depois daquele flash eu não tenho muita certeza do que aconteceu. Lembro-me de que minha mulher entrou correndo pela porta da cozinha, enquanto eu abraçava minha filha e nos jogávamos no chão. Em seguida portas e janelas foram arremessadas pra dentro e as vidraças viraram pó. Quando a onda de choque passou eu continuava abraçado a minha filha, minha mulher permanecia imóvel no chão, e uma poça de sangue se espalhava lentamente por entre os ladrilhos. Foram preciso três soldados para que eu largasse o corpo já frio de minha filha e entrasse no ônibus de evacuação.

-Eu... sinto muito... - gaguejei sem saber bem o que falar.

-Mas quando te conheci as coisas mudaram. Você tem o que? Vinte anos? Viajando sozinho por aí, sem rumo, sem destino, sem nada nem ninguém. E ainda assim não parece se importar. Continua andando, pra onde quer que os problemas te levem e as opções lhe permitam. Nunca ouvi sua história, mas também nunca o ouvi reclamar de nada. E por isso não vou reclamar também. Nuke, me diga uma coisa. Você é feliz?

Não respondi. Não porque não quisesse, mas porque não sabia a resposta.

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