Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

64. Adeus, Branca de Neve

Von Ricky virou-se e puxou um de seus homens, que ainda olhava para o rosto pálido de Lyriel, pelo ombro, afastando-se. Nesta hora lembrei-me de uma história, um conto de fadas, como se dizia antigamente, em que uma senhorita de pele tão branca quanto a neve havia sido envenenada e dormia profundamente, sem que nada pudesse acordá-la, até que um príncipe surgiu e, com um beijo, a fez despertar. Desejei que houvessem príncipes, e que um deles pudesse vencer a dama da morte que, invejosa da beleza alheia, levava Lyriel de seus entes queridos.

Mas não apareceu nenhum príncipe, e logo os médicos levavam-na embora, coberta com um lençol branco esfarrapado. Outro militar, de alta patente, assumiu o comando da situação agora que Von Ricky se fora. Seus homens nos empurraram com violência, mandando que fossemos embora, mas Yoseph e Anne não queriam deixar Lyriel sozinha. Yoseph, aos gritos, e mesmo com fuzis apontados para sua cara, convenceu-os a deixarem que ele acompanhasse a irmã morta. Mas Anne, que xingava os soldados de nomes que fariam até o inferno pequeno, nada conseguiu. Thompson e eu tivemos de arrastá-la pelos braços para longe, e só depois de muita conversa é que conseguimos explicar que nada mais podia ser feito, e agora precisávamos cuidar de nós mesmos.

Um soldado nos apontou um caminho por entre as barracas e mandou que nos dirigíssemos aos portões de Amrak. A princípio não entendemos, mas como já virara as costas e ia embora, não pudemos questionar. Se li não era ainda a cidade, onde ela estaria? Não precisamos de muito tempo para encontrar a resposta. Além das tendas havia um muro, tão alto que nem mesmo quatro pessoas uma em cima da outra poderia atingir seu topo, um grande portão de ferro fazia a passagem para o outro lado. Caminhamos pelo portão sem que nenhum soldado nos questionasse -se é que algum deu pela nossa presença- e seguimos pela estrada de asfalto que descia a colina e se afastava cada vez mais da escarpa.

Era a maior estrada asfaltada que eu me lembrava de ter visto que não estivesse coberta de neve. Havia uma camada de quase um metro de altura de neve nas laterais, mas sobre o tapete negro praticamente não haviam pontos brancos. Parcialmente soterrados, e por todo o caminho, uma infinidade de veículos enferrujava e desaparecia lentamente, desde carros de passeio até antigos caminhões de bombeiro, carros de polícia, motos e bicicletas. Os motores e quaisquer peças úteis haviam sido retirados dos veículos, mas as carcaças formavam um imenso cemitério de ferro retorcido, lembrando-nos constantemente de tudo o que os homens haviam aberto mão ao decidirem matar uns aos outros, e de tudo o que perdemos nessa jornada.

Lyriel não seria mais do que aquelas carcaças para um mundo que apodrece lentamente rumo ao esquecimento. Mas, para nós, mesmo em nossas poucas lembranças junto a ela, sempre haveria um príncipe que a fizesse acordar e se juntar a nós uma vez mais.

Nenhum comentário: