
Uma vez li em um livro que caminhar faz bem. Mas acho que quem escreveu vivia numa cidadezinha, toda de ruas perfeitamente asfaltadas, cujas calçadas eram forradas por flores e folhas caídas das imensas árvores e ressecadas pelo sol de outono, e cujo maior perigo era torcer o pé ou ter caimbras. Enquanto eu, em minha humilde posição, caminho a duas semanas ininterruptas sobre neve fofa, dormindo em buracos de gelo e terra, racionando pedaços cada vez mais apodrecidos de carne seca, bebendo neve - certamente contaminada - derretida, esperando pela próxima matilha de lobos famintos encontrar meu rastro e sair em uma nova e interminável caçada a minha carne "fresca".
Eu gosto de caminhar, admito. Gosto de sonhar enquanto ando, de imaginar o que havia no lugar daquela camada de neve e destroços antes da Explosão, de quantas pessoas foram felizes ali e de quantas um dia poderão ser. Não penso em minha própria felicidade, ou ao menos não costumo pensar. Prefiro planejar o próximo passo a seguir, imaginar o próximo problema a enfrentar, inventar a próxima refeição a fazer ou temer a próxima noite a chegar. Não que eu duvide que um dia minha felicidade possa chegar, mas para alguém que conhece o mundo apenas desse jeito, é difícil imaginar o que a felicidade poderia ser. Talvez fosse ter uma casa, uma companheira, madeira para alimentar o fogo, uma ou duas vacas e um poço de água não-contaminada. Ou quem sabe ter uma fortaleza, armas e munições, alguns capangas, mulheres para se divertir e procriar, pessoas para escravizar e inimigos para matar. Ou ainda ter um rifle, um cachorro e nada a perder.
Eu nunca soube, e talvez nunca saiba, o que é felicidade. Sei apenas que não me importo com isso. E continuo caminhando, sem nada a perder. Porque uma vez eu li em um livro que caminhar faz bem.
Um comentário:
É manolo!
Caminhar faz bem, ainda mais que parado vc corre o risco de ser trucidado, esfolado, congelado, sodomisado,etc.
Caminhar faz bem sim!
heehehehe!
Muito bom o conto
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