Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 23 de junho de 2009

46. Caminho

À beira da morte, muitos se despreocupam e a aceitam. Talvez isso devesse ser tomado como um ato de coragem e sabedoria, já que a morte é apenas mais uma onda no oceano da existência. Mas isso é para os romancistas Antigos, e na realidade não passa de covardia e conformismo. Não passa de medo do que virá a seguir. Ou do que não virá. É claro que é esse medo que nos impede de chegar à beira da morte. Afinal, não fosse o medo da morte ou do que não virá, já teríamos sido extintos, muito antes de começarmos a nos extinguir. Mas temer a morte não é o único meio de sobreviver e, certamente, não é o melhor.

Dizem que a morte é inesquecível. Não apenas porque vamos todos, eventualmente, morrer um dia. Mas porque quando ela chega para alguém que gostamos muito, não conseguimos superar facilmente. E, na verdade, assim deve ser, ou não daríamos o merecido valor àqueles que ainda estão conosco. Ou, ainda, não daríamos valor a nós mesmos, e logo não nos importaríamos em partir e deixar para trás aqueles a quem realmente fazemos falta. Mas, quando a morte vem por nossas próprias mãos, ela não apenas torna-se inesquecível, como também parte de nós. E então, assim como àqueles que enfrentam a morte, resta-nos duas opções: medo e coragem. Para os que escolhem o medo, nada lhes resta além de enfrentá-lo até que sua vez chegue. Mas para os que escolhem ser corajosos, um longo caminho ainda virá, e nele mais mortes serão entregues por suas mãos.

Quando damos a morte a alguém, brincamos de ser deus. Nos damos conta de que somos capazes de interferir diretamente em algo que não entendemos completamente. E, de fato, nunca compreenderemos a vida em si, ainda que possamos tirá-la dos outros. Nos sentimos poderosos, imponentes, invencíveis. Provamos o gosto da vitória definitiva, derrotamos um inimigo para sempre. Desejamos mais e mais, e quando nos damos conta, estamos apenas fugindo, tentando evitar a morte, esquecê-la e despistá-la, enquanto a levamos a outros.

Talvez eu nunca descubra qual caminho segui. Se tentei esquecê-la ou se a deixei fazer parte de mim, se a temi ou se a enfrentei. Um filósofo - se ainda existir algum - dirá que escolhi um caminho diferente a cada vez, mas eu digo que apenas segui meu próprio caminho. E, ainda que eu me esqueça daquela morte, ela não me esquecerá.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

45. Traição

Apertando uma única tecla Thompson fez com que uma enorme carga de explosivos fosse detonada nas laterais da estrada de entrada, bem a tempo de acertar o último veículo que passava. O chão tremeu e os prédios balançaram. Na escuridão distante janelas se partiram e seus estilhaços tilintaram pelo chão. Um dos monitores, pendurado ao teto, perdeu a recepção do sinal que recebia de uma das câmeras externas, quando esta foi consumida pela explosão.

-Há! Por essa vocês não esperavam, não é mesmo?! -Comemorou Thompson, saltando da cadeira e dando socos no ar.

-E por essa, você, não esperava, não é, Thomspon? -A voz, que ecoou do corredor escuro do lado de fora da sala, era de Pedra. O homem mancou com dificuldade para dentro, segurando uma pistola com uma das mãos e com a outra apertando o ferimento na barriga, que parecia ter voltado a sangrar. -Vamos, os três, larguem as armas e as chutem para cá.

Obedecemos.

-Agora, senhor Thompson, afaste-se desse terminal. Já atrapalhou bastante os Deuses por hoje.

-Seu... desgraçado, filho-de-uma-puta! -Berrou Thomspon com todas as forças, quase cuspindo em Pedra. -Você está do lado deles o tempo todo! Filho-da-puta desgraçado!

-Acalme-se Thompson, se você morrer do coração, que graça vai ter? E, não, eu não estive do lado deles o tempo todo. Quando desertamos, logo após a Explosão, eu realmente lutei contra eles. Mas a radiação mexe com a mente das pessoas, e quando abri meus olhos e vi que apenas ao lado deles eu teria chance de sobreviver em um mundo desses, eles me deram outra chance.

-Filho-da-put... -não conseguiu terminar o que estava dizendo, Pedra já lhe acertava uma coronhada no rosto, fazendo-o cambalear. Thompson já se aprumava para revidar o golpe quando viu o cano da arma apontado entre seus olhos.

-O que você quer afinal, seu desgraçado ingrato? -Perguntei.

-O mesmo que você, ele e ela. O mesmo que todos aqueles condenados a viver nesse mundo querem! Quero dinheiro, riquezas, mulheres, poder. Quero sair desse fundo-de-poço antes que alguém resolva tacar terra nele até a borda.

-Devíamos tê-lo deixado morrer! -gritou Anne. -Traidor!

-Não fique assim, meu raio-de-sol, eu posso levá-la comigo, e então você será mais feliz do que jamais sonhou.

Mas Anne não estava pensando em felicidade e, assim que Pedra terminou de falar, deu-lhe um tapa no rosto, fazendo o som ecoar pela sala e corredores. Pedra devolveu a ela um soco, fazendo-a cair. Ele então continuou a golpeá-la, mesmo com dificuldades por causa do ferimento, com chutes e pontapés, enquanto ela se encolhia para se proteger. Thompson percebeu o momento de distração e fúria de Pedra e já se preparava para atacá-lo quando o som de um disparo encheu a sala e paralisou a todos.

-Não! -soluçou Anne baixinho.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

44. Corredores e Computadores

Anne e eu ficamos estáticos. O governo estava ali. Ou a parte dele que havia sobrevivido à Explosão, o cadáver ambulante do antigo poder, que devia ter ficado no passado e que teimava em não se deitar sete palmos debaixo da neve, escombros e terra radioativa. Thompson era o único que parecia saber o que fazer, deixando que seu treinamento assumisse o controle. Revirou todas as funções do aparelho que a pouco tinha nos alertado da presença de visitas, mas nenhuma parecia agradá-lo.

-Vamos, precisamos chegar à sala de comando central -ele então pegou sua arma, guardou o aparelho no bolso e saiu andando, ignorando as duas estátuas que éramos ao seu lado. -Andem logo, porra! E tratem de tirar essas pistolas dos bolsos, ou vocês acham que elas vão disparar sozinhas?

Nos esforçamos para fazer nossas pernas se mexerem e segui-lo. Avançamos pelos corredores correndo, tentando nos manter em seu encalço, enquanto ele disparava pela escuridão sem perder tempo. Eu já tinha me perdido muitas esquinas antes, quando finalmente ele parou, fazendo-nos deslizar pelo piso para evitarmos trombar. Era uma porta qualquer, igual a todas as outras daquele prédio. Qualquer um passaria por ela sem reparar no pequeno painel no lugar da maçaneta.

-Espero que ainda funcione, depois de todos esses anos - falou Thompson, passando a mão perto da pequena tela, que se iluminou mostrando um teclado numérico. Ele digitou uma senha e o teclado mudou para o desenho de uma mão. Mal teve tempo de aproximar sua mão e o scanner do painel já a tinha identificado. Finalmente ele se abaixou e deixou que o aparelho identificasse sua retina. -É, grande coisa. Antes disso tudo acontecer nos disseram que esse tipo de segurança podia ser facilmente quebrada ou hackeada. É... grande coisa mesmo... -desabafou.

A porta, apesar de parecer como as outras, era de aço e extremamente grossa, assim como as paredes que formavam a sala. Incrivelmente o espaço interno era gigantesco, ainda que houvessem máquinas e computadores do chão ao teto. Logo ao entrarmos as luzes se acenderam e um zumbido tomou conta da sala quando muitos monitores e computadores ligaram. Thompson já estava familiarizado com aquele lugar, pois arrastou uma cadeira e sentou-se correndo em um dos computadores, enquanto eu e Anne ficávamos novamente estáticos, olhando em volta. Ele digitava coisas freneticamente no teclado virtual que se projetava na mesa diante de si, e a cada exatos 10 segundos murmurava maldições ou xingava baixinho. Nos monitores espalhados pelo teto podíamos ver, de vários ângulos, os veículos se aproximando pela estrada. Em minutos estariam na entrada.

-Thompson, seja lá o que formos fazer, acho melhor que seja logo -falei preocupado, tentando dominar a adrenalina que explodia qualquer limite dentro de mim.

-Jura?! Cala a boca e me deixa pensar -seu tom de voz era extremamente irritado e impaciente, mas não se deu ao trabalho de tirar os olhos do monitor para descarregar a tensão em mim.

-Thompson, eu posso ajudar em alguma coisa? -Arriscou Anne, falando no tom de voz mais amável que conseguiu fazer transpor o medo que a consumia.

-... -mas Thomspon cometeu o erro de olhar para ela, e foi incapaz de terminar a resposta. Porém, quando girou na cadeira e voltou ao computador, não se conteve: - Achei! Filhos-da-puta, agora eu mando vocês pro inferno de onde saíram!