Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

101. Caldo Quente

A noite foi longa. Dentre as mais longas que já tinha vivido até então. A fome apertava o estômago e me fazia desejar os pedaços de carne de rato seca que muitas vezes comi. Sem vestimentas adequadas, o frio entrava pela roupa e congelava meu corpo pouco a pouco. As horas se arrastaram agoniantes, e às primeiras luzes do amanhecer meu corpo tremia incontrolavelmente. Ouvi os soldados saírem para a rua e retomarem os reparos no blindado assim que o último uivo dos Diabos cessou. Tentei levantar, mas meus braços pareciam grudados em volta dos joelhos, que por sua vez congelaram um ao outro. Controlando os músculos e contendo a tremedeira me forcei a levantar e caminhar ao corredor. Com ainda mais esforço retirei a barricada de mesas e cadeiras do caminho e arrastei os pés até a escada.

Sem sequer lembrar de me preocupar com a presença de algum soldado, desci as escadas. Tamanho frio sentia, mal reparei nas marcas dos ganchos que haviam usado para acessar o primeiro andar. Me espremi pelo vão no topo de destroços que bloqueavam o acesso da escada e me estatelei no chão abaixo. Depois, literalmente, engatinhei rumo ao alçapão. Pensava em como fazer meu corpo sobreviver à queda pelo buraco do esconderijo, já que meus braços não aguentariam me descer pelos degraus da escada, quando o alçapão se abriu e um par de mãos me puxou para dentro. Quando me dei conta estava deitado em uma das camas do dormitório, coberto da cabeça aos pés com cobertores, enquanto Lisie me servia um caldo quente ralo, porém revigorante. Me lembro de ter apagado e acordado algumas vezes ao longo do dia, e em todas elas Lisie estava sentada ao lado da cama, massageando minhas mãos e pés.

Não me lembro quanto tempo levei para me recuperar completamente. Por dias ainda teria tremeliques esporádicos e calafrios, mas assim que recobrei de vez a consciência imediatamente comecei a falar, narrando o que havia visto. Lisie esboçou um sorriso, e colocando o indicador em meus lábios, me fez calar.

-Nós sabemos, Nuke. Vimos pelas câmeras. Tentamos te avisar, mas... -seus olhos se encheram de lágrimas e sua respiração pessou. -Eu devia ter contado antes, mas... achei que eles tinham desistido, que tinham ido embora. E eu só queria esquecer.

-Eles quem? Desistido do que? Esquecer o que? -perguntei, surpreso. Mas novamente Lisie me fez calar.

-Esses homens são os Deuses. Um exército que age, segundo eles, sob as ordens do Governo. Ou do que restou dele. Mas na verdade são gafanhotos, roubando e matando aqueles quem se metem em seu caminho.

-Eu sei, conheço eles. Eles... -comecei, mas uma lágrima caiu de seus olhos azuis e escorreu pelo rosto alvo como a neve, e minhas palavras se perderam em sua tristeza.

-Minha unidade do Rosa estava pela região -começou, com a voz engasgada e os lábios trêmulos -quando uma luz iluminou as nuvens, cruzou os céus e caiu sobre Bermil. A princípio achamos que fosse apenas a queda de algum avião que alguém havia tentado fazer voar, mas logo percebemos que o rastro deixado não era de um motor normal. Corremos para a cidade o mais rápido possível, em busca do ponto de impacto. Aeronaves são raríssimas hoje em dia, ainda mais voando, e por isso não podíamos ignorar o acontecimento.

-Mas então alguma coisa deu errada... -concluí.

Outra lágrima escorreu quando Lisie confirmou com a cabeça.

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