Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

sábado, 3 de janeiro de 2009

25. Sonhar e Caminhar

Era incrível como, em um mundo onde 98% da população tinha sido ceifada pelo fogo das bombas, se podia cruzar com pessoas quase todos os dias. E, não tão incrível assim, a chance de que essas pessoas quisessem te matar antes de perguntarem seu nome era de 98%. E por esse motivo, quando eu e Thompson avistamos a bandeira de caveira, estandarte dos Piratas da Neve, não esperamos que o velho vendedor de espetinhos - que nunca nos disse seu nome - recepcionasse os novos clientes. Subimos nos snowmobiles e partimos pela foz do rio, rumo ao sonhado esconderijo. Não falávamos quase nada, mas pensávamos bastante, e o temor de que os piratas pudessem estar nos caçando passou a ser um temor presente. As horas que se seguiram foram algumas das mais longas que já vivi. Meu coração batia com força, tentando escapar do peito e sair pela boca. Minha respiração parecia querer filtrar todo o ar do mundo. E minhas mãos apertavam forte o acelerador.

Quando finalmente chegamos ao esconderijo eu sequer percebi. Thompson precisou gritar muitas vezes até que eu saísse de um transe de pensamentos e desejos e o ouvisse. O esconderijo era em uma saliência na margem do rio. Entrava por cerca de 10 metros pela terra e estava coberta por tábuas de madeira e muita neve, praticamente soterrada e completamente camuflada. Efetivamente, Thompson havia passado desapercebido por ele, e levamos cerca de 2 horas até ele perceber o erro e achar o lugar correto. Mas eu soube disso apenas durante a noite, depois de uma grande vasilha de sopa e dois espetinhos de iguana. Eu me lembrava muito pouco da viajem até ali, mas os milhares de pensamentos e coisas imaginadas estavam frescos na memória. E foi com eles que eu sonhei pela primeira vez em muitos meses.

Sonhos nos mantém vivos. Eu sonhava bastante quando jovem. Na verdade, sonhava mais que vivia. Eu quase não dormia, mas para sonhar não era preciso dormir. Meu corpo seguia adiante por instinto, caminhando pelas colinas pintadas de branco, enquanto minha mente vagava por mundos mil. Acho que se não fosse capaz de sonhar, não seguiria adiante por esse mundo de sujeira e gelo, ainda que não tivesse um destino ou objetivo na caminhada. Os Escravizadores, o Rosa Radioativa, os Piratas da Neve, e todas as outras pessoas que passaram por minha curta vida desde minha fuga eram apenas curvas e desvios em minha caminhada infinita e sem rumo. Mas eles me faziam sonhar, imaginar, viver... e caminhar.

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