Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

87. Caça e Caçador

A coisa foi de mal a pior muito rápido. O primeiro homem entrou no pequeno hall e seguiu a trilha de sangue para debaixo da escada de arma em riste. Sua surpresa foi evidente, mesmo pela câmera, quando não encontrou sua presa amuada naquele canto escuro. Seus companheiros chegaram em seguida, também tentando observar o vão sob a escada. Conversaram por alguns instantes e então dois deles voltaram à porta, mas o terceiro continuou olhando para o espaço escuro. Dentro do esconderijo ninguém respirava ou se movia enquanto olhávamos fixamente para a tela sem sequer piscar. O homem então se agachou para olhar mais de perto e então chamou seus companheiros, que voltaram apressados. Passan pareceu sair de um transe quando a imagem do alçapão sendo aberto apareceu na tela. Levantou estabanado da cadeira e quase foi ao chão, seu rosto rechonchudo estava suado e sua pele quase tão branca quanto a de Lisie. Tentou falar alguma coisa, mas conseguiu apenas arregalar os olhos e escancarar a boca. Pela primeira vez em duas décadas seu esconderijo tinha sido descoberto. Eles eram os caçadores, e quando nos descobrissem, seríamos a caça.

A porta do esconderijo estava fechada, mas podíamos ouvir em nossas mentes o ranger das dobradiças do alçapão sendo abertas. Me aproximei da porta de aço de arma em punho. Aquela porta de aço era a única coisa que nos separava do mundo assassino que reinava no lado de fora, e pensar nisso fazia minhas pernas fraquejarem. Lisie manteve seu olhar incrédulo na tela, atenta a qualquer mudança, enquanto Passan continuava preso em seu desespero paralisante. Menos de um minuto se passou desde que o primeiro homem vestindo sua roupa camuflada desceu pela escada do alçapão, mas, ao contrário do que eu esperava, ninguém forçou a tranca da porta. Um segundo companheiro o seguiu, mas a porta continuou intocada. Quando o terceiro homem começou a descer pela abertura, eu me revezava freneticamente entre olhar a tela no fundo da sala e a tranca da porta, sem conseguir raciocinar coisa alguma. Mas foi então que a caçada começou.

Lisie gritou do fundo da sala. Sem pensar abandonei a porta e corri até ela, passando por Passan. Trêmula, ela apontava o telão na parede. Virei o olhar e também fiquei pasmo. O pequeno quadrado que exibia a câmera do corredor mostrava uma mancha cinza-avermelhada se projetando para dentro do alçapão.

-O Diabo está descendo! -deixei escapar, enquanto um arrepio percorria toda minha coluna e se espalhava por cada membro.

Mas o Diabo não desceu. Com metade de seu corpo para fora do alçapão a criatura fazia força com as patas traseiras, que derrapavam no chão liso. Instantes de desespero depois o animal conseguiu tirar seu corpo de dentro do buraco. Mas não o fez sozinho. Preso entre seus dentes protuberantes estava o pescoço do último homem a descer pelo alçapão. O Diabo arrastou o corpo inerte até o corredor e lambeu faminto o sangue que escorria da ferida. No fundo da imagem mostrada pela câmera pudemos ver quando um dos outros dois homens colocou metade do corpo pra fora e disparou seu rifle. Não ouvimos o tiro através da porta, nem pudemos ver se o disparo atingiu o alvo, mas o que aconteceu a seguir foi ainda mais difícil de entender.

O Diabo, atingido ou não, avançou assim que percebeu a presença do perigo, e no instante seguinte se jogava em cima do atirador. Seus dentes cravaram fundo no braço do homem, que ficou tentando se desvencilhar desesperadamente. Amedrontado e visivelmente tomado pela dor o pobre coitado foi arrastado para fora do alçapão ainda se debatendo. O último homem surgiu então na abertura no chão. Primeiro colocou a cabeça para fora, procurando o inimigo, então apoiou o rifle no chão e apontou para os Diabo e seu companheiro, que lutavam por cima do cadáver da primeira vítima. Era obviamente impossível um tiro limpo naquelas condições, mas o disparo foi feito. Instantâneamente a luta acabou. O homem e o diabo estavam imóveis, caídos um por cima do outro.

Assustado e sozinho, o último dos homens de roupa camuflada passou correndo por cima dos corpos no corredor, sem se importar com os gemidos e espasmos de dor do companheiro ferido.

-Nuke, ele sabe do esconderijo! -berrou Passan, saindo do torpor que o dominou durante toda a luta.

Agora eu era o caçador. E a caça não podia escapar.