Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

domingo, 30 de novembro de 2008

16. Premonição

-Diga-me, jovem, como você se chama?

-Sou Nuke.

-Só Nuke? - perguntou a senhora, após alguns segundos em silêncio.

-Isso, só Nuke. - respondi paciente.

-Humm... Conte-me, como é o mundo lá fora? Você sabe... é cheio de monstros e mutantes, como dizem por aí?

-Infelizmente. Mas não parece tão perigoso assim quando não se tem nada a perder.

-Você tem algo a perder? -disse com sua voz chiada e fraca, enquanto colocava sua mão sobre a minha com ternura.

-Não.

Ficamos alguns minutos em silêncio, remoendo pensamentos sem fim. Fui o primeiro a quebrar o silêncio.

-Senhora, disse que sonhou comigo. O que sonhou, exatamente?

-Sonhei que um jovem viria do sul, trazendo consigo a morte e o fim.

Ergui as sombrancelhas, num misto de riso e surpresa. Estava para responder alguma coisa quando um homem entrou pela tenda.

-Pare de importuná-lo, Mary! Ele precisa aprender as regras por aqui, se instalar e então começar a pagar pela estadia. - o homem era ainda jovem -maduro, mas jovem-, com no máximo 40 anos. Tinha os cabelos curtos e bem cuidados, e sua aparência era bem saudável. Ele me acompanhou para fora da tenda e me levou devolta pela cidade. - Sabe, acho que Mary ainda sente muita falta de sua filha, mesmo que quase duas décadas tenham se passado. Ela sempre diz que a morte a persegue, tentando encontrá-la em meio a essa imundice. Cá entre nós, acho que ela apenas está gagá demais!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

15. Sonhos

Depois de viver alguns anos andando por aí em um mundo forrado de neve e gelo você começa a se acostumar com o medo de congelar enquanto mija, de trincar os dentes quando boceja ou de sentir seu próprio mal cheiro de nariz entupido. Mas todas essas coisas vieram se aconchegar em minha mente quando entrei naquela pequena vila, que se dava o título de "cidade fortificada", onde todos os seus habitantes seguiam as piores noções de higiene e saúde. Até um rato com sarna sabe que viver em cima de seus próprios excrementos não pode ser boa coisa, mas aquelas pessoas pareciam não se dar conta disso, ainda que todas elas aparentassem ter nascido antes da Explosão, quando higiene ainda se aprendia em casa. Todos os tipos de dejetos se acumulavam na muralha, como se fosse um reforço para que ela não se dobrasse com o vento, as pessoas eram imundas e maltrapilhas, havia algumas crianças, mas elas mais pareciam bolhas de sangue ambulantes.

Apesar de tudo o que havia de deprimente e infeccioso naquele lugar, eu me sentia confortável e, por que não, um pouco feliz. Era a primeira vez em muitos anos que eu estava em um lugar onde haviam muitas pessoas e, apesar de haverem guardas e provavelmente um líder, ninguém poderia me dar ordens sem que eu tivesse ao menos o direito de correr e morrer. Eu duvidava, desde o primeiro passo lá dentro, que alguém que ali morasse estivesse se importando com minha presença, todos pareciam interessados demais em morrerem em sua própria poça de vomito e fezes. Mas eu estava errado, e não demorei a saber que ali, todos os que portavam armas tinham ambições maiores que uma morte apática.

O guarda que permitiu minha entrada na vila me guiou por uma trilha escorregadia por entre os barracos e entulhos que se amontoavam por toda a volta, depois de alguns minutos chegamos a uma tenda branca, completamente destoante de todo o resto que havia à volta. Entrei pela porta de lona e não encontrei o esperado cheiro de podridão e a sujeira acumulada até o calcanhar, mas ao contrário, fui recebido com um delicioso cheiro suavemente doce, que me fazia lembrar de um tempo distante que eu provavelmente tinha esquecido que vivi. Ao fundo, sentada em uma cama, havia uma senhora de cabelos brancos e muitas rugas pelo rosto e nas mãos.

-Nuke... - disse com voz rouca e chiada a senhora. - Eu o estive esperando... Eu o vi em meus sonhos... Venha, sente-se aqui ao meu lado...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

14. A Cidade do Vale

O tempo parecia se alongar a cada dia que passava. Tudo o que eu tinha como companhia era um infindável mundo vazio onde apenas o silêncio ecoava pelas colinas, pronto para assassinar o primeiro que se aventurasse a quebrá-lo. Caminhei por duas longas semanas após meu encontro com Erwin e já não podia mais suportar dormir em buracos cavados na neve ou comer lagarto ensopado em neve derretida. Mas minha sorte parecia pronta para mudar. Ao final do décimo quarto dia avistei uma pequena cidade, murada com placas de metal e escombros de todos os tipos, que se erguia sobre um elevado de terra de 5 ou 6 metros, no meio de um vale muito largo.

Dormi imaginando quem viveria na cidade e o que eu diria para que me deixassem entrar. As duas torres de vigia que ficavam ao lado do portão da muralha não pareciam muito resistentes, mas do alto do morro inspiravam em mim o respeito que com certeza esperavam que tivessem. Não havia trilhas na neve levando ao portão ou saindo dele, o que indicava que ninguém entrava ou saia de lá a pelo menos 2 dias, também não se via fumaça das chaminés ou qualquer outra movimentação em seu interior. Mal sinal, para um viajante como eu.

Ignorando o perigo que qualquer pessoa sã perceberia, parti ao amanhecer em direção àquele vestígio de civilização que ali resistia à neve e ao frio. Levei mais tempo para descer em segurança a encosta do vale do que para percorrer as poucas centenas de metros que levavam à cidade, e quando estava ainda a muitos passos da rampa que levava ao portão uma voz cortou o vento como uma flecha e chegou a meus ouvidos, fazendo-me parar com uma derrapada.

-Alto lá, viajante. Diga seu nome e o que quer em nossa fortaleza.

-Chamo-me Nuke. Venho em busca de suprimentos e um lugar para descansar. - disse eu, enquanto tentava esconder o sorriso de deboche ao ouvir o guarda se referir àquela montanha de sucata como "fortaleza". Mas é claro que, como todo jovem saudável, eu era extremamente presunçoso e achava que poderia botar abaixo tudo aquilo com bolas de neve e sopa de lagarto.

-Espere aí. - disse o homem na torre, que agora fazendo questão de mostrar o rifle que tinha nas mãos.

-Não tenha pressa, estou admirando a neve cair. - retruquei irônicamente, porém falei mais para mim mesmo que para o guarda.

Alguns minutos depois o homem reapareceu. - Disse que se chamava Nuke. É isso mesmo?- Fiz que sim com a cabeça, retorcendo os olhos para cima com impaciência. O guarda falou alguma coisa para alguém dentro da torre e então voltou a falar comigo. - Entre, Nuke. Tem alguém que quer lhe falar.