Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

53. Noite de Silêncio

Naquela noite ninguém falou, preferindo observar o fogo estalar e sibilar. Nos abrigamos na reentrância de um barranco coberto de neve e utilizamos os veículos para esconder o brilho das chamas de olhos curiosos. A brisa uivava do lado de fora, enquanto uns poucos flocos de neve rodopiavam para dentro e faziam malabarismos, até se derreterem em um chiado baixinho. Todos olhávamos fixamente as chamas, estávamos, cada um, sozinhos com nossos pensamentos. Era como se nossos corpos tivessem sido abandonados e nossas mentes estivessem em seus próprios mundos, viajando livres.

Yoseph foi o primeiro a quebrar o silêncio. Colocou a mão sobre o brasão dos Deuses e arrancou-o do braço direito da jaqueta. Lyriel o acompanhou, e ambos jogaram os brasões no fogo. Nem Thompson, Anne ou eu dissemos palavra, apenas observamos o cálice branco, com a hóstia e auréola, brilharem por entre as chamas, impotentes. Os irmãos então se abraçaram. Eram jovens, assim como Anne e eu, e também estavam aprendendo com os erros e decisões. Com Thompson era diferente. Ele ainda sentia-se preso ao passado, tentando encontrar seu mundo em meio aos escombros que formavam o novo. Suas lembranças não se encaixavam com o que seus olhos viam, e cada vez mais ele sofria em silêncio. Eu sabia, percebia, mas ele continuava firme com sua carapaça de coragem e determinação. E, por mais que desejássemos, continuávamos todos naquele mesmo mundo esquecido, coberto de pó e neve.

E foi naquela noite, pela primeira vez desde que consigo me lembrar, em que vislumbrei, em meio a tantos pensamentos, uma resposta à uma das tantas perguntas que me fiz todos os dias de minha vida. Vi ali, em meio àquelas pessoas até a pouco desconhecidas, uma família: almas unidas pelo acaso -ou destino, como alguns costumam chamar- que em qualquer outro momento ou lugar seriam apenas desconhecidas. Percebi, então, que tinha que adicionar um novo item à minha lista. Felicidade talvez fosse ter um abrigo do vento, uma fogueira e o acaso de uma noite de silêncio.

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