sábado, 30 de outubro de 2010
90. Diabinho
Dormi muito. Muito e muito bem. Pela primeira vez em anos eu tinha uma cama só minha, com lençóis limpos, travesseiros e cobertores. A preocupação constante que havia em dormir em um buraco na neve ou em uma casa abandonada não existia, e isso era quase tão reconfortante - se não mais - do que uma boa cama. Quando finalmente acordei minha barriga roncava tão alto que talvez ela mesma tenha me acordado. Deixei um dos muitos quartos com beliches que havia no abrigo e fui a procura de Lisie e Passan. Esperava encontrá-los na cozinha, com alguma coisa gostosa pronta para eu comer, mas os encontrei no hall de entrada.
-Bom... dia? - arrisquei, apesar de não fazia idéia de que horas eram.
-Boa noite! - corrigiu Passan, sentado à pequena mesa de centro.
-Dormiu, hein! - falou Lisie sorrindo, e então se aproximou de mim trazendo nas mãos uma caixa de sapatos. -Veja! Saí essa manhã para explorar o prédio e encontrei isto!
Uma pequena bolota vermelho-acinzentada coberta de minúsculos pelos brancos inchava e murchava ritimadamente em meio a um amontoado de roupas velhas. Demorei um tempo para reconhecer do que se tratava, e as exclamações de "mas não é uma graça?!" e "é tão fofinho!" de Lisie não ajudavam muito. Por fim, depois que um focinho vermelho apareceu, seguido de um ganido agudo, percebi que aquilo era um filhote de Diabo de Bermil - ou um Diabinho, como foi apelidado pela ala feminina do abrigo. Fiquei surpreso, claro, mas fiquei ainda mais ao ver a animação de Passan e Lisie com o pequeno animal.
-Alguém aí lembra que essa coisinha, daqui não muito tempo, vai virar uma moedor de carne ambulante?
-Ah, Nuke, pára com isso! Olha pra ele!
Desisti de argumentar, dei um sorriso para eles e fui pra cozinha encher a pança. Duas latas de feijão e uma de legumes depois eles ainda estavam lá, admirando o choro baixinho da criatura. Mas antes tivesse continuado a comer. Mal cheguei e fui obrigado a fazer algo que não gostaria de fazer por um bom tempo: sair do abrigo.
-Ele deve estar com fome, não para de chorar e se chacoalhar pra cá e pra lá. Deve estar procurando a mamãe - falou Lisie, com voz melosa.
-Porque não o deixaram com a mãe? - mas já imaginava a resposta.
-Ela não resistiu. Era aquela que os caçadores seguiam. Deu a luz à três filhotinhos, mas só esse ainda estava vivo quando os encontrei.
-Você saiu lá fora sem saber se o Diabo estava vivo ou não? - ergui as sobrancelhas, meio surpreso meio preocupado.
-Relaxa, Nuke. Eu sei me cuidar, lembra? - e ela sabia mesmo, mas era uma coisa que eu viria a me esquecer com facilidade daquele tempo em diante. -De qualquer forma, é sua vez de se arriscar um tiquinho por nós. Passan me disse que no décimo andar ficava a creche do prédio. Será que você não poderia...
-Lá vem...! - interrompi.
-... buscar uma lata de leite em pó? - continuou ela, fingindo não me ouvir. -Assim podemos dar de comer ao pobrezinho.
-No meio da noite?!
Eu não podia negar. Não àquele olhar pidão que só as mulheres sabem fazer.
E mesmo que soubesse que o décimo andar ainda estava em uso como creche, não teria negado.
-Bom... dia? - arrisquei, apesar de não fazia idéia de que horas eram.
-Boa noite! - corrigiu Passan, sentado à pequena mesa de centro.
-Dormiu, hein! - falou Lisie sorrindo, e então se aproximou de mim trazendo nas mãos uma caixa de sapatos. -Veja! Saí essa manhã para explorar o prédio e encontrei isto!
Uma pequena bolota vermelho-acinzentada coberta de minúsculos pelos brancos inchava e murchava ritimadamente em meio a um amontoado de roupas velhas. Demorei um tempo para reconhecer do que se tratava, e as exclamações de "mas não é uma graça?!" e "é tão fofinho!" de Lisie não ajudavam muito. Por fim, depois que um focinho vermelho apareceu, seguido de um ganido agudo, percebi que aquilo era um filhote de Diabo de Bermil - ou um Diabinho, como foi apelidado pela ala feminina do abrigo. Fiquei surpreso, claro, mas fiquei ainda mais ao ver a animação de Passan e Lisie com o pequeno animal.
-Alguém aí lembra que essa coisinha, daqui não muito tempo, vai virar uma moedor de carne ambulante?
-Ah, Nuke, pára com isso! Olha pra ele!
Desisti de argumentar, dei um sorriso para eles e fui pra cozinha encher a pança. Duas latas de feijão e uma de legumes depois eles ainda estavam lá, admirando o choro baixinho da criatura. Mas antes tivesse continuado a comer. Mal cheguei e fui obrigado a fazer algo que não gostaria de fazer por um bom tempo: sair do abrigo.
-Ele deve estar com fome, não para de chorar e se chacoalhar pra cá e pra lá. Deve estar procurando a mamãe - falou Lisie, com voz melosa.
-Porque não o deixaram com a mãe? - mas já imaginava a resposta.
-Ela não resistiu. Era aquela que os caçadores seguiam. Deu a luz à três filhotinhos, mas só esse ainda estava vivo quando os encontrei.
-Você saiu lá fora sem saber se o Diabo estava vivo ou não? - ergui as sobrancelhas, meio surpreso meio preocupado.
-Relaxa, Nuke. Eu sei me cuidar, lembra? - e ela sabia mesmo, mas era uma coisa que eu viria a me esquecer com facilidade daquele tempo em diante. -De qualquer forma, é sua vez de se arriscar um tiquinho por nós. Passan me disse que no décimo andar ficava a creche do prédio. Será que você não poderia...
-Lá vem...! - interrompi.
-... buscar uma lata de leite em pó? - continuou ela, fingindo não me ouvir. -Assim podemos dar de comer ao pobrezinho.
-No meio da noite?!
Eu não podia negar. Não àquele olhar pidão que só as mulheres sabem fazer.
E mesmo que soubesse que o décimo andar ainda estava em uso como creche, não teria negado.
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Um comentário:
mulheres... sempre forçando os limites da relçao... tsc tsc
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