Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

domingo, 27 de julho de 2008

1. A Fuga

Quando acordei o dia já estava claro. Eu havia dormido muito mais do que estava acostumado, talvez pelo cansaço do dia anterior, ou quem sabe pelo medo de estar novamente sozinho naquele mundo vazio. Mas isso não importava, no momento eu precisava me aquecer antes que minhas mãos e pés congelassem com o frio, afinal, a roupa que eu tinha conseguido roubar antes de sair correndo não era a mais adequada para um clima como esse. O veículo que eu havia encontrado atrás de algumas árvores mortas não estava funcionando e não poderia me tirar dali mais rápido do que meus pés permitiam, mas ao menos tinha impedido que eu virasse sorvete durante a noite. Enquanto massageava os pés e as mãos como podia, repassei mentalmente tudo a que minha vida tinha se resumido: um grande nada, tão vazio quanto o mundo em que ela se passava.

No dia em que fugi, quando eu me preparava para ir dormir, dois escravizadores entraram na tenda em que eu e outros três escravos ficávamos. Como sempre eles começaram a nos bater e insultar. Meu sangue ferveu quando um de meus companheiros teve um dos olhos quase arrancado com uma coronhada, então levantei do meu saco de dormir, agarrei o lampião do teto e avancei contra eles. Vidro e fogo brilharam na escuridão da barraca quando o lampião se estilhaçou contra a cabeça do maior deles. O incêndio se espalhou rápido pelo acampamento, só tive tempo de pegar minha mochila e, quando um dos depósitos com comida e ferramentas explodiu, eu já descia a colina em direção ao rio.



Faziam dois dias que eu não comia nada além de pedaços de carne seca. Eu sempre escondia na mochila as partes das minhas refeições que não eram perecíveis, para caso um dia eu decidisse fazer uma burrada dessas, como fugir dos escravizadores em uma noite de tempestade. Naquela noite me escondi em uma das minas em que escavávamos os restos de metal, do que um dia foi uma cidade. Mas, na manhã seguinte, tive que partir antes de os escravos voltarem ao trabalho, já que alguém certamente me denunciaria em troca uma dose de vinho ou um mísero cigarro. Quando anoiteceu me escondi no que um dia foi uma bela casa de campo, mas que hoje não passa de um amontoado de tijolos farelentos. Felizmente nas ruínas havia uma boa quantidade de lenha, que um dia alguém recolheu, e pude fazer uma sofrida fogueira para sobreviver ao frio.

Os sentimentos que me dominavam e me faziam esquecer do frio e do mundo se esvaíram quando vozes ecoaram pelas colinas e fizeram neve cair das árvores. Eu poderia apostar o meu relógio e meus óculos como aquelas vozes pertenciam aos Escravizadores, e que eles ainda estavam me procurando. Com certeza a tempestade não tinha sido suficiente para fazê-los desistir de um de seus escravos mais saudáveis, sem falar nos prejuízos que eu havia causado antes de partir, duas noites atrás. E com a sorte de que um deles provavelmente estaria com uma enorme queimadura no rosto.

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