Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

sábado, 17 de janeiro de 2009

27. Tradeport

Thompson não disse muito mais naquele dia. Seguimos pelo leito do rio, parando ocasionalmente para observar ou tirar água do joelho, e fizemos as refeições em movimento. Durante a noite sua única palavra foi acorde!, quando eu comecei a ultrapassá-lo e ele percebeu que eu havia travado o acelerador e estava coxilando sentando. O frio fazia nossas mãos e pés congelarem, e eu tinha quase certeza de que meu nariz já não sentiria mais cheiro algum, mas Thompson mantinha o mesmo sorriso bobo no rosto desde aquela manhã. Há uma cidade adiante, tinha dito ele antes de sairmos, a menos de um dia daqui. Mas a noite tinha me desanimado e comecei a achar que ele tinha se perdido outra vez, por mais difícil que seja se perder em um leito seco de rio.

Novamente eu estava errado e ele certo. Duas horas depois de anoitecer avistamos luzes acima da margem do rio, à nossa direita. A princípio pareciam dois faróis de carro, mas logo vimos que eram holofotes, colocados acima de duas torres de vigia. Uma trilha, cavada na terra e na neve e socada pela passagem de veículos dava acesso ao topo da margem, bem em frente às luzes. Thompson sorriu de orelha a orelha, e mesmo na escuridão pude ver o branco de seus dentes e sorri por dentro. Viramos os snowmobiles e os forçamos a subir pela encosta escorregadia. A trilha seguia um pouco mais adiante e para a direita, de modo que uma das torres estava de frente para a subida do rio. A outra estava mais além e vigiava uma segunda trilha, bem maior, que vinha seguindo pela margem. Chegamos ao topo e em poucos segundos o vigia nos avistou. O holofote era muito mais forte do que parecia, deixou-nos cegos por um longo tempo, de modo que quando perguntaram o que fazíamos ali durante a noite, respondemos de olhos fechados.

Todos sabem que não se viaja a noite, e que aqueles que o fazem ou são loucos ou bandidos. Na escuridão da noite, camuflados pelo inverno sem fim, apenas monstros e criaturas hostis caminham, e qualquer barulho é sinal de perigo. E aqueles vigias sabiam disso e estavam bem treinados para qualquer som estranho. Levamos cerca de vinte minutos para convencê-los a nos deixar entrar, e só conseguimos isso depois de mostrar a mercadoria que trazíamos e prometer um maço inteiro de cigarros a cada um deles. Thompson me explicou que aquela não era a cidade que ele conhecia, mas que já tinha ouvido falar dela. Era uma cidade-mercado, onde se podia comprar e vender quase tudo. Mas logo descobriríamos que era também um lugar para se arranjar encrenca fácil. Havia algumas casas e estalagens para viajantes, mas a maioria das construções era de depósitos e armazéns. O lugar era todo cercado com um muro de tijolos e concreto, que não era muito grosso, é verdade, e até mesmo um carro poderia derrubá-lo com certa facilidade, mas com certeza impedia que indesejáveis entrassem.

-Desçam dos veículos e deixem todas as armas que possuem conosco. Ninguém entra armado em Tradeport. Vocês pegam de volta quando saírem - cuspiu o vigia truculento, enquanto apontava um rifle para nós. Outros dois homens acompanhavam tudo de perto. Thompson pareceu um pouco relutante em deixar as armas que havíamos roubado dos Piratas com aqueles caras, mas eu estava mais preocupado com uma grande faixa pendurada logo acima do portão da cidade:
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SEJAM BEM-VINDOS À TRADEPORT
Taxa de venda: 20%
Taxa de compra: 5%

Ladrões serão guilhotinados
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-Você acha que eles falam sério? - cochichou Thompson, temendo que aquela pergunta pudesse ser motivo suficiente para arrancar-lhem a cabeça.

-Eu apostaria que sim - e apontei para o topo do muro, onde cinco ou seis cabeças estavam fincadas nas pontas de ferro que saiam dos tijolos.

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