Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

5. Azul

O Rosa Radioativa me soltou na manhã seguinte. Não precisavam mais de mim, eu já havia servido de isca e dado a eles, em poucos dias, mais armas, equipamentos e veículos do que eles poderiam ter conseguido em meses. E, ficando com eles, eu seria apenas mais uma boca sem função para alimentarem e protegerem. Ao nascer do sol uma equipe foi designada pra me levar ao local exato onde haviam me encontrado. Agora acordado, pude ver que não ficava muito longe de onde eles estavam acampados, e do topo da colina era possível ver a fumaça que subia em pequenas nuvens no horizonte, indicando onde os escravizadores estavam. Era, ainda, perto demais para que eu deixasse de me preocupar com eles. E a partir daquele momento eu estaria sozinho.

-Adeus, Nuke. Cuide-se enquanto estiver aí fora - disse uma das mulheres do grupo. Não a reconheci de imediato, mas, quando desviei o olhar do horizonte e observei seu rosto jovem, quase não pude parar de admirá-la. Era a mesma que havia me explicado, dias antes, o motivo de eu ainda estar vivo, que cuidou de mim enquanto estava desacordado. Sua pele era quase tão branca quanto a neve que soterrava o mundo, seus olhos azuis eram muito claros e transmitiam uma sinceridade difícil de se encontrar nas pessoas, em seu rosto não havia marcas ou cicatrizes, tão comuns em combatentes, nem feridas ou deformações radioativas. Era como se seu corpo não vivesse em um mundo infectado pela radiação. Mas talvez sua beleza fosse a maior de todas as mutações, diferenciando-a e destacando-a dentre os demais sobreviventes, marcados pela a radioatividade e guerra sem fim. - Não que eu ache que você não saiba se cuidar, mas... tente não morrer e... nada, esqueça - terminou ela, com um sorriso discreto no rosto, então entrou em um jipe adaptado para andar sobre neve fofa e partiu. Acho que ainda pude ver um raio de luz azul vindo de seus olhos, mas talvez fosse o excesso de branco da paisagem, e talvez ela sequer tenha me lançado um último olhar.

Fiquei ali, observando os veículos se afastarem e pensando em que direção daria meu primeiro passo em liberdade, após três longos anos de escravidão. Não tinha casa, não tinha família, não tinha amigos. E aquela garota, que agora se ia pelo horizonte, era a primeira mulher da qual eu sentiria falta na vida, mesmo não sabendo que um dia iria revê-la. Eu não tinha muito mais no momento do que quando fui capturado e escravizado, mas uma roupa de frio, mochila, pederneira, saco de dormir, cantil, 5 metros de plástico, cordões e nacos de carne de aparência duvidosa não era o que se podia chamar de fortuna. Mas eu estava feliz, e algo dentro de mim me impedia de ficar muito tempo em um mesmo lugar, arrastando minha carcaça quase vazia pela vastidão de neve e radiação.

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