Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

7. Fumaça, cinza e branco

A terceira semana de caminhada estava se aproximando, e nenhuma perspectiva de mudança surgia no horizonte. A luz do sol brigava através das nuvens tentando a noite do céu enquanto eu me esticava preguiçosamente pra fora do buraco que havia cavado no dia anterior. Era engraçado admirar um novo dia nascer, olhando pras montanhas no horizonte e para os morros e colinas logo adiante, forrados pela neve e pelos esqueletos de árvores e rochas deformadas. A luz que conseguia penetrar na grossa camada de poeira e vapor que cobria o céu se esparramava por todos os lados, o vento soprava flocos de gelo pelo ar e um silêncio inquietante musicava o ambiente. Mas era como se o mundo sequer tivesse percebido o que lhe havia acontecido anos atrás. Os dias iam e vinham sem cessar, o planeta continuava girando e, por incrível que pareça, a vida continuava se espalhando e impregnando cada lugar existente. E eu era cúmplice de tudo isso, observando tudo com os olhos de uma criança e o coração de um velho. E de tanto caminhar e observar já estava reconhecendo mais tons de branco e azul do que havia percebido minha vida toda, e se eu tomasse mais uma gota de neve derretida ou começe mais um único pedaço de carne seca acho que iria enlouquecer.

Mas não enlouqueci. A fome veio e o último pedaço de carne podre desceu arranhando minha garganta seca. Eu sabia que meu corpo precisava de água, mas eu me recusava a dá-la, com medo de que aquele tom de branco-acinzentado que a neve daquela região tinha fosse mais do que simples poeira misturada ao gelo. E novamente não enlouqueci. Na verdade foi bastante revigorante quando tomei o que os Antigos chamariam de chá, mas que na verdade não passava de água quente com folhas secas e poeira. Surpreendi-me ao ver que já era capaz de por fogo em praticamente tudo com praticamente nada, mesmo quando a úmidade parecia ser maior do que o combustível encontrado, e assim me aquecia, "cozinhava", e derretia gelo todos os dias e noites.



O dia já seguia avançado, mas eu não tinha tido forças para ir muito longe e havia apenas me arrastado até uma pilha de rochas próximas ao local onde passei a noite. A comida tinha finalmente acabado - não que isso me preocupasse, pois já tinha passado fome muitas vezes e sempre havia arranjado um meio de sobreviver - e eu não fazia idéia de pra onde ir. Havia caminhado aesmo por muitos dias, desde que tinha sido libertado pelo exército do RR, e não tinha avistado uma única alma viva, construção, trilha ou estrada. Nem mesmo rastros encontrei em todos aqueles dias, fosse de pessoas, veículos ou animais, e isso era incomum, mesmo num mundo arrasado por uma guerra nuclear. Já estava considerando voltar por onde vim, ainda que minha própria trilha tivesse sido apagada, mais de uma vez, por nevascas e ventanias, mas isso me levaria apenas aos restos de um acampamento militar e a uma base de escravizadores, de onde eu não poderia conseguir muito mais do que encrencas. Foi então que vi, camuflando-se com o cinza do céu e o branco da paísagem, um pequeno filete de fumaça subindo lentamente por detrás do que um dia foi um bosque de pinheiros. Uma chaminé.

Nenhum comentário: