Mas não enlouqueci. A fome veio e o último pedaço de carne podre desceu arranhando minha garganta seca. Eu sabia que meu corpo precisava de água, mas eu me recusava a dá-la, com medo de que aquele tom de branco-acinzentado que a neve daquela região tinha fosse mais do que simples poeira misturada ao gelo. E novamente não enlouqueci. Na verdade foi bastante revigorante quando tomei o que os Antigos chamariam de chá, mas que na verdade não passava de água quente com folhas secas e poeira. Surpreendi-me ao ver que já era capaz de por fogo em praticamente tudo com praticamente nada, mesmo quando a úmidade parecia ser maior do que o combustível encontrado, e assim me aquecia, "cozinhava", e derretia gelo todos os dias e noites.

O dia já seguia avançado, mas eu não tinha tido forças para ir muito longe e havia apenas me arrastado até uma pilha de rochas próximas ao local onde passei a noite. A comida tinha finalmente acabado - não que isso me preocupasse, pois já tinha passado fome muitas vezes e sempre havia arranjado um meio de sobreviver - e eu não fazia idéia de pra onde ir. Havia caminhado aesmo por muitos dias, desde que tinha sido libertado pelo exército do RR, e não tinha avistado uma única alma viva, construção, trilha ou estrada. Nem mesmo rastros encontrei em todos aqueles dias, fosse de pessoas, veículos ou animais, e isso era incomum, mesmo num mundo arrasado por uma guerra nuclear. Já estava considerando voltar por onde vim, ainda que minha própria trilha tivesse sido apagada, mais de uma vez, por nevascas e ventanias, mas isso me levaria apenas aos restos de um acampamento militar e a uma base de escravizadores, de onde eu não poderia conseguir muito mais do que encrencas. Foi então que vi, camuflando-se com o cinza do céu e o branco da paísagem, um pequeno filete de fumaça subindo lentamente por detrás do que um dia foi um bosque de pinheiros. Uma chaminé.
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