Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

13. Meu Mundo

Naquela manhã, como em quase todas as outras em minha vida, saí do esconderijo cavado na neve e mirei o horizonte. Nunca me cansei de admirar aquelas colinas cobertas pela neve, o céu repleto de nuvens cinzentas e as imensas montanhas ao longe, ainda que grande parte disso estivesse coberta de escombros, buracos e cinzas. Coloquei fogo em um punhado de lascas de madeira, derreti um pouco de gelo numa caneca de alumínio e preparei meu café-da-manhã. Engoli os pedaços de lagarto e carne seca quase sem mastigar, tendo certeza apenas de não olhar para eles e me arrepender de em algum momento ter tido coragem de comê-los. E sentado em uma rocha, começei a lembrar de coisas que sabia sobre aquele imenso mundo onde eu era apenas um punhado de poeira ao vento.

Por muitas vezes em minha vida vi fotos em livros e revistas, assisti a vídeos ou li sobre o mundo dos Antigos. Havia muito verde, o céu era de um azul tão claro que quase parecia branco, havia milhares de animais, de todos os tipos e cores, tanto na natureza quanto nas cidades. Ah!, as cidades! Essas eram imensas, crescendo em todas as direções, inclusive para cima e para baixo, desafiando sua própria tecnologia e abrigando milhões e milhões de pessoas. Senti um nó na barriga ao ver um mar de pessoas andando pelas ruas. É incrível tentar imaginar como poderia haver tanta gente junta, num só lugar, cada uma com sua própria vida, interesses, vontades e desejos. Parece-me impossível que esse mundo já tenha existido, que todo aquele caos pudesse, enfim, resultar em algo palpável. Mas existiu, e agora não passa de imaginação, memórias e história.

Meu mundo, muito diferente, tem apenas os vestígios do que já foi um dia uma grande civilização. Poucas cidades atingem a marca de milhares de habitantes, a maioria não passa de um cemitério de prédios e ruas abarrotadas de escombros e fantasmas do passado. As estradas foram soterradas pela poeira e pela neve, a natureza sufocada pelas cinzas ou queimada pelo fogo, os animais foram dizimados por motivos que até mesmo seus carrascos desconheciam. Aqueles que ainda vivem preferem se esquecer do passado, enquanto que os que nascem já não se importam com o que passou e aprendem, assim como eu, a aceitar que o mundo ao qual pertence é esse diante de seus olhos.

Quando terminei de comer segui minha caminhada. Eu preferia ignorar os perigos à que estava sujeito e ocupar minha mente imaginando as maravilhas do mundo que se foi, assim como se imaginava como seria a vida em um planeta distante.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

12. Sussurros

Em poucos minutos não se podia mais ouvir o barulho de tiros. A noite caía veloz, e com ela o silêncio ensurdecedor que domina um mundo devastado pelo homem. Mesmo o vento noturno parecia calado, soprando para longe meus esforços de ouvir em seus sussurros alguma notícia de Erwin. Passei horas imóvel, na esperança de ver os passos mancos do velho atirador subindo pelas colinas, mas uma preocupação maior crescia em meu peito. Se Erwin estava morto, e as criaturas que o ameaçavam e sabiam de minha existência estivessem vivas, então eu poderia estar correndo perigo. Talvez eu devesse ter deixado minha toca e continuado a caminhada, mas eu estava cansado mentalmente e meu corpo ainda reclamava da noite que passei sentado numa das cadeiras semi-destruídas na cabana.

Eu havia me recolhido para dentro do buraco na neve e estava fechando sua entrada com um pedaço de plástico quando uma coisa totalmente nova me chamou a atenção. No horizonte, acima das montanhas e logo abaixo das núvens, um ponto de luz branca cruzava os céus em altíssima velocidade. Em minha infância meu pai já havia me mostrado vídeos de aviões voando em velocidades assombrosas, mísseis inteligentes e até mesmo trajes pessoais de vôo, mas o que quer que fosse aquilo era muito maior e muito mais rápido do que qualquer coisa que eu já tinha visto, ainda que eu não possuísse um binóculo para observá-lo melhor. A visão daquilo e a incapacidade de entender o que era, somado ao fato de em toda minha vida eu ter visto poucas coisas além de pequenos pássaros e pedaços de corpos voarem, me fez subir um calafrio pela espinha que eu não sentia desde que os escravizadores me pegaram pela primeira vez.

Aquele foi, apesar de eu não ter feito nada além de andar e cavar, um dos dias mais misteriosos de minha vida. Eu havia deixado para trás um dos homens mais experientes ainda vivos no mundo, escapado de uma desagradável visita de criaturas nada amistosas completamente desconhecidas pela raça humana e avistado voando pelos céus uma das coisas que aquele mundo destruído e desolado reservava a mim.