Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

24. Latinhas

-ESPETINHOS?

Comemos feito loucos. Ratos e iguanas assados são extremamente apetitosos, especialmente quando se está com fome e cansado. Sua carne é macia, saborosa e extremamente nutritiva. Nossas barrigas estavam a ponto de explodir quando decidimos parar de comer, mas o velho continuava nos empurrando mais e mais espetinhos apetitosos. Não conseguia imaginar como ele havia conseguido tanta comida, mas eu o louvava por isso.

-Senhor. Estamos mais que satisfeitos. Diga, quanto vai nos custar para pagar toda essa comida?

-Sobremesas? Claro, claro! Que cabeça a minha. Estão bem aqui, vou pegá-las!

Quando o homem saiu detrás da barraquinha e nos trouxe duas latas de refrigerante quase tivemos um enfarto. Aquilo tudo só podia ser uma miragem, alucinação ou coisa parecida. Latas de refrigerante eram mais difíceis de serem encontradas do que pessoas não afetadas pela radiação. E aquele cara tinha duas. E não parecia se importar em se desfazer delas. Thompson e eu nos entre olhamos e resolvemos que era melhor não perguntar.

-Bebe logo antes que ele queira de volta! - falou meio sorrindo, meio aconselhando. - Antes morrer tendo bebido um último refrigerante que ficar com vontade para a eternidade!

Verdade é que aquele foi meu primeiro refrigerante, mas preferi não dizer nada. Apreciei cada gota daquela bebida única. Seu cheiro doce fez olfato enlouquecer, enquanto suas pequenas bolhas espumantes dançavam em minha garganta e me faziam rir. Thompson me olhou com uma careta, provavelmente me achando um doido, mas eu estava me divertindo, e até o barulho da latinha abrindo tinha sido hilário. Estávamos quase acabando nosso banquete, completamente atordoados, quando o homem voltou a falar:

-Oba! Mais clientes!

E então nosso sangue congelou.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

23. Espetinhos

Thompson não estava muito preocupado se encontraríamos alguém para vender todas aquelas coisas, ou mesmo se sobreviveríamos até achar alguém. Levei um bom tempo até convencê-lo a deixar a euforia de lado e se concentrar em ao menos tirar tudo aquilo dali. Foi preciso construir outro trenó improvisado, mas logo estávamos viajando.

-Sabe... eu tava pensando... Afinal, aquela velha, a Mary, tinha razão.

-Tinha? - falou Thompson, meio sem entender.

-Ela disse que eu traria a morte à cidade. Bem, a não ser que eu tenha deixado escapar algo, os piratas não foram à cidade por minha causa. Mas eu estava lá quando chegaram, então de certa forma eu sou culpado.

-Está preocupado com isso? Não se preocupe, a culpa não foi sua. Cedo ou tarde isso aconteceria. Estou feliz por estar vivo, e você deveria achar o mesmo.

-Não, só achei engraçado lembrar disso! - falei descontraído. - Na verdade, nem ligo para aquela cidade. Era um amontoado de bosta, no meio do nada, de onde nada se podia tirar. Eu queria mesmo era ter explorado aquele bunker. Fiquei curioso.

-É, pra falar a verdade, fiquei também. Ainda mais depois de ver o corpo de Domn lá... Ahh! que se dane... já era mesmo.

Já estávamos viajando por mais de 8 horas seguidas, e havíamos feito apenas uma única parada para um lanche. A conversa sobre a cidade foi boa para esquentar a mente, mas estávamos entediados demais para um diálogo muito longo. O frio entrava por nossas roupas e nos deixava sonolentos, mas não podíamos parar antes de chegarmos ao esconderijo que Thompson dizia conhecer. Se parássemos para dormir em algum outro lugar teríamos de cavar um abrigo, e seríamos obrigados a deixar os snowmobiles e trenós do lado de fora, o que chamaria muito a atenção, mesmo à noite. Seguir em frente era a única opção.

A noite começava a cair quando uma mudança na paisagem nos despertou do torpor. Alguns quilômetros adiante de nós, em cima de um morro de neve ligeiramente mais alto que os ao redor, havia um pequeno barraco. É claro que aquilo era completamente incomum, e por isso nos separamos de imediato, para que não estivessemos muito perto um do outro caso algo acontecesse. Mas não aconteceu. Ao nos aproximarmos, vimos que o barraco na verdade era uma barraquinha, e dentro dela um homem de barba branca e olhar embaçado mirava o horizonte. Thompson trazia uma antiga metralhadora AK-47, que ele tomou devidamente emprestada de um dos piratas mortos, e mirou-a para o homem enquanto chegavamos mais perto. Demorou até que o velho desse conta de nossa presença ali, e quando percebeu logo começou a falar:

-Clientes! Espetinhos de rato e iguana deliciosos! Vão levar para viajem, ou comer aqui mesmo?

domingo, 21 de dezembro de 2008

22. Ricos

-Vamos voltar.

-Claro, vamos nessa - falei, fingindo não ter entendido o que ele disse, mas então completei - Tá maluco?! E aqueles caras ali atrás? Vamos pedir carona pra eles também?

-Primeiro a gente se livra deles, depois voltamos. Eu sei de um esconderijo a umas 10 horas daqui, com combustíveis, equipamentos e suprimentos, mas precisamos de mais combustível para chegarmos lá.

-E como vamos nos livrar deles?

-O jipe deles não é adaptado, vê? Não tem esquis ou esteiras, são apenas correntes em volta do pneu. Assim eles só podem andar no gelo ou em terreno firme. Vamos por aqueles morros ali, onde a neve acumula e eles não podem nos seguir - e apontou para a encosta do rio, onde grandes bancos de neve se formavam com o vento.

Foi preciso cerca de duas horas para conseguirmos atolar o jipe. Eles sabiam o que queríamos fazer e por isso relutavam em nos seguir de perto, mesmo quando deixávamos que se aproximassem. Preferiram ficar atirando, torcendo para o vento não desviar os projéteis ou jogá-los contra nós. Mas sobrevivemos ilesos, e finalmente erraram o caminho e acabaram presos em um buraco de escombros e neve fofa.

-Certo. Nos livramos deles. Mas onde vamos achar combustível, agora que a oficina está destruída?

-Com sorte o resto dos veículos deles ficou apenas danificado, e não destruído. Assim podemos esvaziar os tanques e encher os nossos.

E mais uma vez a sorte estava ao nosso lado. A maioria dos veículos estava lá, com buracos na carroceria e soterrados de escombros, mas não haviam queimado ou explodido. Vasculhamos os destroços com cautela, mas não haviam mais piratas vivos, apenas corpos fumegantes e um insuportável cheiro de carniça misturado com excrementos. Havia combustível de sobra, mas não tínhamos como carregá-lo em nossos pequenos snowmobiles, então jogamos o resto nos veículos e ateamos fogo. Claro que antes antes retiramos tudo o que era útil, como kits de primeiros socorros, água, roupas, lanternas e até mesmo camisinhas - que eu duvidava ainda servirem para alguma coisa. Com uma placa de alumínio e alguns pedaços de corda fizemos um trenó, empilhamos tudo nele e cobrimos com uma lona.

estávamos de partida quando avistei outro veículo, caído para fora das muralhas, pouco além da entrada da cidade. Nos aproximamos e percebemos que aquele era o veículo do qual os piratas lançavam seus morteiros. Entramos no enorme veículo, que estava de ponta cabeças, e então ficamos ricos. Aquele devia ser o fruto de muitos saques daqueles piratas. Havia morteiros, armas, bebidas, cigarros e revistas pornográficas. Tudo de extremo valor em uma cidade grande.

-Estamos ricos! Estamos ricos! Hahaha! -gritava Thompson, enquanto pulava e girava na neve.

-É... mas onde vamos vender tudo isso? - perguntei, um pouco mais consciente.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

21. C4

Era um absurdo. Dois morangos jamais deveriam valer mais que dois veículos. Morangos deveriam ser colhidos do natureza, frutos de um mundo vasto, verde e completo. Snowmobiles deveriam ser pesquisados, desenvolvidos e fabricados com dezenas de matérias-primas e componentes eletrônicos, frutos de um mundo tecnológico e desenvolvido. Mas o homem muda tudo, destrói aquilo que o criou e o que ele próprio criou, e agora esse era o preço disso tudo. Eu ainda tinha muito a pensar, mas meu cérebro quase deixou de existir quando um projétil estilhaçou a porta e passou raspando em minha máscara. Os piratas tinham dado pro falta do companheiro e nos encontrado, agora seu objetivo e diversão era nos exterminar.

-É agora Nuke! - disse Thompson. Ele então jogou a planta no bagageiro e tirou um pacote envolvido em fita adesiva preta - Temos um burado para tapar!

-QUE?! - gritei atônito. Mas ele acelerou o snowmobile e derrubou com facilidade a parede dos fundos da oficina. Segui-o de cabeça baixa, para evitar os tiros que não paravam de entrar pelas paredes. Passamos pela entrada do bunker em alta velocidade, mas Thompson ainda teve tempo de derrubar o pacote dentro do buraco.

-Temos cerca de dois minutos antes dessa ilha inteira ir pelos ares!

-Aquilo era o que eu penso que era?

-Sim! Um quilo inteirinho de C4!

-Pelos deuses! - exclamei engasgando, enquanto imaginava o que estaria pensando aquela criatura, no final da escada, com seu pé-de-cabras na mão, quando vindo de lugar nenhum uma bomba caiu aos seus pés.

Os tiros dos piratas ainda perfuravam a neve próxima a nós quando aconteceu. A explosão fez o chão tremer. Nas encostas do rio seco toneladas de neve cairam em avalanche. Uma núvem de fogo, neve e terra subiu centenas de metros no ar, para em seguida uma chuva de destroços cair por toda a planície. Mas Thompson errou novamente em suas previsões, pois apenas três quartos da ilha desmoronaram em uma núvem de poeira e detritos.

-Merda. Tinha esperanças que houvessem explosivos naquele bunker... Provavelmente não destruímos os veículos daqueles piratas.

E dessa vez ele estava certo. Ainda que a maioria tivesse sido pulverizada pela explosão, alguns minutos depois piratas já nos perseguiam com um jipe. Nós matamos seus companheiros, danificamos e destruímos alguns de seus veículos e acabamos com seu objetivo naquele lugar. Nossa morte seria pouco para eles. E ainda que não estivéssemos dispostos a morrer, tinhamos outro problema:

-Thompson! Nós não temos combustível!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

19. Bunker

-Você já desceu aí?

-Uma vez, dez anos atrás, mas não passei da escada. Éramos em quatro, mas não tínhamos lanternas ou máscaras de gás na cidade, e temíamos que esse cheiro forte que sai daí pudesse ser tóxico, ou até mesmo explosivo.

Não precisou muito para que decidíssemos entrar, já que um bunker com certeza é um lugar muito mais seguro durante um ataque de morteiros. Eu corri até a oficina e peguei duas máscaras de gás, enquanto Thompson pegou em sua casa um par de lanternas. Descemos a escada o mais rápido que pudemos, vencendo seus 50 metros com escorregões e tropeços. Não tínhamos muito tempo para explorar o abrigo, já que tão logo a cidade fosse destruída, os Piratas entrariam para saqueá-la. O ar lá embaixo, mesmo através da máscara, era muito pesado e parado, havia poeira em suspensão e grossas camadas de teias de aranha.

-Há muitas teias de aranha por aqui. Como pode? Supostamente não há insetos aqui para elas se alimentarem.

-Não me pergunte... - disse indiferente a esse aparente capricho do ambiente - Apenas fique próximo de mim para não nos perdermos.

As luzes de nossas lanternas iluminavam pouca coisa adiante, sendo barradas pela camada de poeira e teias. Passamos por algumas salas de escritório, mas não nos demos ao luxo de examiná-las com calma. O tempo era curto e apenas podíamos nos contentar em olha-las pela porta. Cada uma delas parecia um mundo à parte, estático e imutável para todo o sempre, coberto em cada centímetro por uma camada de poeira. Alguns poucos metros adiante o corredor terminou em um grande salão salpicado de pilastras de sustentação. Pelas mesas espalhadas reconhecemos o refeitório, que daria para pelo menos 100 pessoas. Caminhamos até o outro lado, em direção a uma porta que parecia levar a um dormitório. Não fosse pela poeira, era como se ninguém estivesse estado ali. Estávamos para dar mais um passo quando uma explosão fez tremer o chão e um grande estrondo entrar pela escada e chegar até nós.

-Talvez devessemos ir embora, ou podem acabar bloqueando a entrada com um dos morteiros.

-Voce tem razão, eu... - Thompson interrompeu a frase no meio e apontou o feixe de luz para o dormitório. Sobre a cama mais próxima à porta estava um corpo jogado. Eu fiz que não, mas ele se aproximou mais para investigar. Era o corpo de um homem, e apesar de bastante deteriorado, ainda se podia reconhecer o rosto.

-É o corpo de Domn. Ele desapareceu cerca de dois meses depois que descemos aqui. Certamente encontrou uma lanterna e resolveu descer sozinho para saquear -disse apontando para a lanterna quebrada que havia ao lado da cama. - Idiota, morreu por causa de sua própria ganância.

Um barulho de passos e metal arrastando fez nossa adrenalina explodir. Olhamos em volta e vimos um vulto se mechendo por entre as beliches.

-O que aconteceu com os outros dois caras que desceram com você aqui?

-Esqueça isso... Corra!

20. Morangos

Corremos feito loucos o caminho de volta. Ofegantes ao pé da escada, arriscamos olhara para trás, porém só podíamos ver a nuvem de poeira que erguemos ao passar pelo corredor. O som de passos havia parado e tudo estava mergulhado em um mar de silêncio. Também não se ouvia nada vindo da superfície, o que indicava que o ataque havia cessado e logo invadiriam a cidade.

-Vamos Nuke, dane-se o que tem aí. Prefiro viver.

-Sim, vamos.

Thompson já estava no terceiro degrau quando o barulho de ferro recomeçou. Ele esticou a cabeça para baixo do buraco, bem a tempo de ver uma máscara-de-gás negra e desgastada surgir por entre a poeira e as teias de aranha. Não conseguimos identificar quem era, mas o pé-de-cabra em suas mãos estava pintado de sangue e não parecia amigável. Eu estava aturdido. Fosse quem fosse, devia estar lá a muitos anos, mas ainda assim estava vivo. Suas roupas estavam completamente arruinadas, e sua pele parecia queimada. Se Thompson não tivesse me puxado pela gola, talvez eu tivesse ficado em transe, e o barulho que o pé-de-cabra fez na escada teria sido abafado pelo impacto com meu crânio.

Saímos pela escada e encontramos a cidade quase completamente em ruínas. No lugar do portão principal havia um enorme caminhão blindado, completamente adaptado para guerra. Alguns homens trajando coletes e capacetes andavam pelos escombros, conferindo se todos estavam mortos. A oficina, por milagre, estava intacta, então corremos para lá e ficamos em silêncio. Quando um dos piratas entrou na oficina sequer teve tempo para disparar. Eu e Thompson já o golpeávamos incansavelmente com duas barras de ferro, até que seu corpo parasse de se mexer.

-Suba nesse snowmobile que você consertou e prepare-se para sairmos - disse Thompson - Eu já volto.

Mal tive tempo de entender o que eu havia ouvido e ele já estava correndo por entre os escombros até sua casa. Fiquei imaginando quanto tempo levaria para que os outros piratas dessem por falta do que havíamos matado. Mas em menos de dois minutos ele estava devolta, com um sorriso triunfante. Debaixo do braço trazia um pequeno vaso com uma planta de folhas largas caindo para fora. Era a primeira planta que eu via em muitos anos. E esta parecia extremamente verde e sadia como nenhuma outra.

-A cúpula de vidro em que eu a mantinha a salvou de ser esmagada!

-O que é isso?

-Um pé de morangos, oras. Como acha que eu comprei esses dois snowmobiles?

-Você comprou dois snowmobiles com UM MORANGO?

-Não, seu idiota. Foram dois morangos.

18. Piratas da Neve

Thompson quase acertou. A tempestade começou na manhã seguinte, e com ela o primeiro disparo. O morteiro subiu alto, foi pego por uma corrente de vento e arremessado muito além da cidade. O segundo foi um pouco mais perto, porém sem perigo. O terceiro caiu pouco além da muralha, fazendo pedras perfurarem as placas de ferro sem dificuldades. Apenas no quarto disparo eles acertaram a mira, e então a cidade silenciou. Um homem teve um braço semi-amputado por um dos destroços, mas seus gritos não foram ouvidos em meio ao desespero completo que dominava a mente das pessoas e as mantinha completamente paralisadas.

-Thompson! Thompson!- gritava eu, completamente desesperado de cima da muralha, já cansado de acompanhar aquilo.

-Aqui, Nuke! Venha rápido!

Pulei da muralha e corri para seu lado, atrás de uma casa. Ainda tive tempo de ver o lugar onde eu estava ir para os ares, enquanto três dos guardas que continuaram ali viravam pedaços.

-Quem são eles? - gritei acima da explosão, que ainda ecoava em meus ouvidos.

-Piratas, Nuke. Piratas da neve.

-Não vai sobrar muita coisa para saquearem quando a poeira baixar.

-O que eles querem está bem protegido de seus próprios morteiros - disse Thompson, enquanto corríamos por entre os barracos e nos protegíamos das explosões, jogando-nos no chão ao ouvirmos o assobio das bombas caindo. Vendo minha cara de surpresa e dúvida, completou - Vou lhe mostrar. Tente apenas não perder a cabeça.

Corremos por mais algumas casas e pilhas de escombros. Descemos um pequeno desnível e paramos. Ele retirou algumas placas de plástico e restos de tijolos, revelando um alçapão de aço no chão. Fizemos força juntos e erguemos a tampa, que rangeu e estalou. Havia uma escada de ferro que descia por um túnel redondo, com espaço para apenas uma pessoa, e sumia na escuridão.

-É um bunker.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

17. Neve Vermelha

Foram dois longos meses recolhendo sujeira pelas ruas imundas da vila e empilhando ao lado dos muros. Não havia nada de heróico nisso, com certeza. Mas ao menos meus braços já estavam acostumados ao trabalho e meus músculos se fortaleciam mais e mais. Nas horas vagas eu ajudava Thompson a reparar um snowmobile que ficava num barracão ao lado de sua casa, o que foi muito bom para minha memória, que já começava a esquecer o que meu pai havia me ensinado sobre mecânica. Thompson era um homem bom, sabia reconhecer potencial nas pessoas e ajudá-las a desenvolver ainda mais suas habilidades. Ele me ajudou a ficar longe de problemas naquela fossa esquecida pelos deuses, enquanto todos ali pareciam querer me assar em uma fogueira.

Mas, na vida de um sobrevivente em um mundo como o meu, as coisas nunca dão certo por muito tempo. E, numa "bela" manhã de muito vento e neve, elas voltaram a dar errado. Um dos guardas tinha avistado uma mancha negra se aproximando pelo vale. O pânico tomou conta dos pouco mais de 30 habitantes daquela pequena cidade, e não demorou muito a me culparem pelo destino miserável que os aguardava. Aos gritos e engasgos a velha Mary soterrava-me com palavrões e maldições, mas eu duvidava que alguém fosse capaz de ser tão almadiçoado de uma única vez.

Naquele dia a mancha pareceu não se mecher muito, e isso aumentou bastante a tensão e expectativa. Os guardas estavam especialmente nervosos, já que a maioria nunca havia enfrentado mais que meia dúzia de encrenqueiros juntos. Mas as coisas pioraram muito mais quando, na manhã seguinte, pudemos ver a quantidade e o tipo de veículos que formavam a mancha. Todos de guerra. E em apenas mais um dia já estavam nas proximidades da cidade, estacionados pouco além do alcançe de qualquer arma que tivéssemos na cidade - e não eram muitas, devo acrescentar.

-Thompson, você acha que eles vão atirar?

-Vão - disse seriamente.

-Daquela distância?

-Com morteiros. Assim não correm riscos de perderem homens à toa.

-Mas e o vento? Uma tempestade está para começar.

-Talvez você não tenha reparado ainda, mas estamos em uma ilha, no leito seco de um rio. O vento corre de lá - e apontou para a direção dos veículos - e vai para o outro lado, numa corrente contínua. Em dois ou três disparos eles terão acertado a mira... e então a neve cairá vermelha.