Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

115. Novos Jogadores

-Eles usavam uma roupa cinza, meio preteada, acho. Parecia uma peça única de roupa. Tipo aquelas antigas roupas de mergulho, sabe? Usavam também um capacete fechado, com um visor escuro, daqueles que refletem -descrevi o que tinha visto da melhor maneira possível à Lisie. Ainda que, admito, tenha sido uma descrição patética.

-Não tinham identificação ou brasão? -insistiu Lisie. -Nada?

-Agora que você falou... -franzi o cenho, enquanto minha memória varria as imagens já se perdendo em minha mente destreinada-, eles tinham sim identificação. Um número. Na verdade, um número e duas letras, um traço e então outro número de três dígitos. Mas nenhum símbolo ou brasão, não.

-Mas que... merda! -deixou escapar. -Quem são eles, afinal?

-Sabemos que não são os Deuses -constatei o óbvio, enquanto ajeitava as idéias na cabeça para constatar o não tão óbvio. -Por outro lado, os Deuses parecem estar muito mais equipados do que eu sonharia imaginar. O que eram aqueles... aqueles... exoesqueletos ou seja lá que porra era aquilo? E o que eles tanto querem por aqui para investirem tanto equipamento e pessoal  em um só lugar? Como pode?! Um helicóptero e exoesqueletos! Helicóptero... helicóptero... -brinquei com a palavra, como se se referisse a algo de outra dimensão, o que quase era verdade, já que não muitos mais voam por aí hoje em dia.

-Uma coisa eu sei. Aquele avião, ou o que quer que seja, que vi caindo aqui em Bermil... -disse ela apontando para a parede que ficava na direção do rio. -Tem alguma coisa lá... tem que ter... tem gente demais jogando esse jogo... Só pode ter alguma coisa lá!

Lisie andava de um lado para o outro, por entre os restos de mesas e cadeiras, olhando ocasionalmente pelos buracos de tiros que havia no portão do boteco para a rua lá fora.

-Como foi que você disse mesmo que eles soldaram o portão no chão em... segundos e foram embora?

-Exatamente assim... -disse eu, abaixando sobre um dos joelhos para demonstrar o que eu mesmo não tinha entendido ao ver aqueles caras fazendo- em um segundo um deles pegou... uma pistola, sei lá... um pouco mais grosso que uma pistola era aquilo... que seja. Ele pegou a pistola, encostou na base do portão, aqui onde ele encontra o trilho de ferro na lateral, e foi subindo. Voou um monte de faíscas, como quando se solda uma coisa na outra, e pronto. Depois ele foi pro outro lado -andei alguns passos até a outra lateral do portão, ao lado da porta por onde entramos- e fez a mesma coisa aqui. Veja, ainda está quente -tirei a luva e coloquei a mão no metal derretido. Não estava quente, na verdade, só não estava tão gelado quanto o resto todo do planeta. -Tem alguma coisa gosmenta aqui... -disse, esfregando um dedo no outro e depois na parede, para limpar aquela espécie de óleo que havia grudado em minha mão.

-Está silêncio lá fora -disse Lisie, olhando por um dos buracos no portão. -Silêncio demais, até... melhor darmos o fora.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

114. Agulhas

-Temos que sair daqui -sussurrei. -Agora!

-Vamos por ali -disse Lisie, apontando para uma escada atrás do balcão.

 A escada levava ao segundo andar, apesar de não haver muito mais que o chão e uns destroços das antigas paredes lá em cima. O prédio ao lado, porém, havia permanecido praticamente intacto. Com um salto pulei pelo vão entre os prédios e entrei por uma janela quebrada. No fim da rua, o blindado em chamas fazia a curva na esquina em que havíamos nos protegido, e fugia para a segurança dos exoesqueletos, ainda disparando contra os telhados e andares mais altos das construções do outro lado do quarteirão. Ajudei Lisie a entrar pela janela e juntos bloqueamos a porta com os resto de móveis e escombros. Nos encolhemos em um canto onde a corrente de ar gelado da noite era menor e esperamos as horas passarem.

Nossos sacos de dormir tinham ficado pra trás, mas não mais nos passou pela cabeça dormir naquela noite. O som de disparos tinha se afastado lentamente, até sumir à distância, e sequer um uivo dos diabos foi ouvido durante o resto da noite. Mas não foi o silêncio ou o sopro do vento que dominou a escuridão. Podíamos ouvir coisas se mexendo pelo breu, pulando de telhado em telhado, andando pelas ruas, esgueirando-se pelos becos, à espreita. As horas se arrastaram lentamente por nossos ouvidos, a cada rangido ou estalo do lado de fora.

-Está amanhecendo -falei, tossindo um pouco-, finalmente.

-Sua voz está horrível -falou Lisie, com uma careta.

-Acho que eu esqueci de engolir, na última meia hora -de fato, eu tinha passado um bom tempo absorto com os sons que nos cercavam, que por vezes me esqueci até mesmo de respirar por alguns minutos.

Pela manhã arrisquei olhar pela janela em que havíamos entrado. Nada se movia nos telhados além da neve e da poeira. A primeira luz da manhã trouxera um silêncio inquietante. Olhei para o beco que se estendia abaixo de nós, entre os dois prédios, e este também estava vazio. Decidi pular de volta ao segundo andar destruído do boteco, andei rapidamente por entre os escombros, e me escondi na parede oposta, logo acima da rua. Vislumbrei a rua por uma fresta e quase caí com o que vi. Lisie, ainda tomando coragem para pular da janela, percebeu meu susto e se abaixou atrás do parapeito. Na calçada, alguém abria o portão retrátil do boteco. Um estrondo metálico ecoou pelo prédio quando o metal enferrujado se retorceu sobre si mesmo abrindo caminho para quem quer que fosse entrar. Nos minutos que se seguiram outras três figuras se revezaram trazendo duas duzias de corpos de diabos para dentro do boteco. Pela escada eu podia ouvir o som dos corpos caindo na pilha, mas felizmente ninguém se aventurou ao segundo andar.

-O que aconteceu? -perguntou Lisie, pouco depois de as figuras terem ido embora.

-Não sei bem -respondi, puxando-a pelo braço em direção à escada-, mas acho que tenho uma ideia...

Junto à pilha de corpos de diabos havia um corpo bem mais humano, vestindo um antigo colete militar e uniforme com um brasão bastante familiar.

-Um soldado dos Deuses. Eram eles?

-Porque largariam o corpo de um dos seus aqui? Não, não acho que eram os Deuses -falei, me abaixando pera observar o corpo mais de perto com minha lanterna. Em um dos ferimentos do corpo do soldado dos Deuses havia algo brilhante e comprido. Puxei com a ponta dos dedos, limpei na roupa do morto e mostrei à Lisie. -Uma agulha magnética.

-Uma... agulha? -disse ela, incrédula, pegando a pequena e afiadíssima haste de metal.

-Tipo isso. E eles soldaram a porta, também.