Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

100. Dormente

Uma descarga de adrenalina percorreu todo meu corpo, arrepiando os pelos do braço. Meu braço estremeceu e meus dedos se contraíram. Num esforço em conter o impulso, estiquei o polegar para a frente e evitei bem a tempo o disparo. Os soldados invadiram a sala segundos depois. Mal podia contá-los enquanto entravam pela porta, gritando ordens uns aos outros. O líder, um homem enorme e truculento, com o lado esquerdo do peito repleto de medalhas e insígnias, se aproximou do soldado imóvel. Eu ainda o mirava, mas sequer respirava, com medo de ser encontrado a poucos metros dali.

-SOLDADO! PELO AMOR DA PUTA QUE TE PARIU, MAS QUE BUCETA CANCEROSA QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FAZENDO? -gritou o homem, já sem a máscara, a plenos pulmões.

-Des-desculpe, senhor! E-eu... -gaguejou o soldado amedrontado.

-SENHOR. DESCULPE, SENHOR! -corrigiu o líder, fazendo as medalhas chacoalharem no uniforme.

-Sen-senhor. Des-desculpe senhor! E-eu...

-DESCULPA O CARALHO! SAIA DA MINHA FRENTE AGORA -e berrou ainda mais a última palavra- OU O PRÓXIMO DISPARO DESSA ARMA VAI SER NA SUA CABEÇA! VAMOS, SUMA!

-Senhor. Sim, senhor -concluiu o soldado, arrasado.

Cabisbaixo e ainda tremendo, o soldado saiu apressado. Os demais permaneceram imóveis, de armas em punho, voltados ao seu líder. Ele encarou cada um dos seus por alguns instantes, com raiva transbordando do rosto vermelho, colocou de volta a máscara e saiu sem dizer palavra. Sem jeito, os soldados o seguiram, sumindo na escuridão do corredor. Pensei em levantar, mas preferi aguentar as cãibras nas pernas e nos braços por mais algum tempo e esperei. Apenas quando os ouvi montando uma barricada com mesas e cadeiras para barrar o vento é que deixei o abrigo e saí de perto das janelas. Procurei um canto protegido e comecei a massagear meus pés, dormentes por causa do frio e do vento.

Demorou quase meia hora até que voltasse a sentir a ponta dos dedos dos pés. Com fome e frio, até meu cérebro começava a diminuir o ritmo. Eu podia ouvir as vozes abafadas dos soldados em salas do outro lado do andar, mas entender o que diziam era impossível. Tentei me manter focado, para que o sono não viesse. Se dormisse ali, sem uma fonte de calor ou proteção contra o vento, morreria congelado durante o sono sem ao menos perceber. Lembrei-me então da transmissão que o helicóptero havia feito e que o rádio do soldado tinha captado. Aumentei o volume do meu aparelho e comecei a ouvir, atento. Mas hoje, o que lembro de ter ouvido aquele dia, é apenas:

-Repito. Local da queda encontrado. Local da queda encontrado.

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