Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

31. Louco

Quando a lâmina foi solta o mundo silenciou. Era possível sentir as pessoas prendendo a respiração do lado de fora. Um corte rápido e um baque seco. Gotas de sangue escorreram pelas tábuas e pingaram em minha venda. Queria ter sentido raiva, mas sentia apenas remorso por não ter me despedido de Thompson. Seu sangue escorria quente em meu rosto e eu sabia que minha vez estava chegando.

-Cinco segundos - gritou uma voz acima de mim, no palanque. - Apenas cinco segundos, senhoras e senhores! Esperamos que o próximo dure mais, ou as apostas de hoje terão sido em vão! Que tragam o próximo safado que vai morrer aqui hoje - continuou a voz, em meio a uma gritaria e uma onda de aplausos.

-Vamos andando - falou a voz do Sherife à minhas costas - não dê um pio, ou arranco-lhe os dentes.

Deixei-me ser guiado e não disse palavra - não que eu me importasse de perder os dentes, afinal, logo em seguida eu perderia toda a cabeça mesmo - mas depois de tudo o que gritei nos dias em que ficamos enjaulados eu já não tinha mais nada a dizer. Do lado de fora o vento frio que cortava Tradeport naquela manhã parecia se despedir de minha presença. Os gritos das pessoas que assistiam a execução tinham cessado e apenas murmúrios podia-se ouvir aqui e ali. Todos aguardavam a próxima cabeça a rolar. Subi uma escada de madeira e dei alguns passos. Um chute em minhas pernas me fez ajoelhar. Eu não ousava me mecher. Todos os meus sentidos pareciam ter deixado meu corpo, e a única coisa que eu sentia era a neve derretendo sob meus joelhos. Segundos que levavam horas se passaram, e então finalmente tiraram minha venda.

-Desculpe ter de fazê-los passar por isso. Essa cidade precisa de regras rígidas, ou cada vigarista e salafrário dessa cidade vai querer tirar mais proveito do que outro - era o Sherife falando, com o rosto sério de sempre, mas com uma calma na voz que até parecia outra pessoa. - A maioria dos que vem aqui são boas pessoas. Sempre assustados, perdidos ou feridos, mas boas pessoas. E, como a maioria nesse mundo, precisando apenas de duas coisas: um lar e um objetivo. E é isso que eu lhes dou. Ofereço proteção a todos os que aqui estão, e depois que percebem que estão realmente seguros, ofereço-lhes a Palavra de Deus - o padre-sherife estava sentado em uma cadeira de balanço, que vinha e voltava no mesmo lugar, rangendo baixinho. Eu estava ajoelhado no que um dia foi uma bela varanda de madeira, mas que depois de duas décadas sem cuidados parecia apenas um amontoado de tábuas. Senti-me tentado a levantar e correr, pular a cerca de madeira que fechava o jardim coberto de neve e deixar que o primeiro guarda me acertasse um tiro no meio do peito. Mas aquele homem sentado não parava de falar, e eu queria saber onde ele iria parar. -As pessoas são muito fáceis de se entender. Elas podem ter sonhos diferentes, gostos e vontades diversos, mas no final precisam apenas de um motivo para se manterem vivas. O fogo queimou tudo o que conheciam, a neve e o vento soterraram os escombros do seu passado e o desespero humano destruiu qualquer vestígio do que sobrou. O que lhes restou? A fé, claro! Memórias se perdem, se apagam. Mas a fé, não. Essa jamais se esquece.

-Onde está Thompson? Porque ainda estou vivo? - perguntei. Já sabia a resposta, mas ainda assim queria ouví-la, para que soubesse que tudo era realmente um sonho louco e que a loucura tinha chegado ao limite. Mas não houve resposta. Em vez disso ele continou falando, como um louco faria.

-Eu não poderia ser padre, sabe? Eu abandonei o celibato muitos anos antes desse mundo acabar. Não suportava ter que fingir que minhas orações eram ouvidas e ainda fazer pessoas acreditarem nisso. Eu queria queria trepar até explodir, com o máximo de mulheres que pudesse. Queria fumar até meu pulmão atrofiar. Queria beber até meu fígado ser diluído pelo álcool. Queria que o mundo acabasse... - fez uma pausa e admirou o mundo à sua volta, como se tudo aquilo fosse obra sua, e então continuou. - E ele acabou, realmente acabou. E foi então que eu soube que precisava voltar atrás, porque tudo era possível. E cá estou eu, redmindo-me dos meus pecados enquanto ainda há tempo. Pregando os ensinamentos de Deus àqueles que querem aprender e punindo aqueles que não aprendem.

-Eu... acho que já vou indo, sabe... - Levantei e dei alguns passo em direção aos degraus que desciam para o jardim. Estava decido a sair dali e ignorar o que aquele louco dizia, mas uma voz se sobrepôs à dele e fui obrigado a parar.

-Nuke, espere.

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