Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

114. Agulhas

-Temos que sair daqui -sussurrei. -Agora!

-Vamos por ali -disse Lisie, apontando para uma escada atrás do balcão.

 A escada levava ao segundo andar, apesar de não haver muito mais que o chão e uns destroços das antigas paredes lá em cima. O prédio ao lado, porém, havia permanecido praticamente intacto. Com um salto pulei pelo vão entre os prédios e entrei por uma janela quebrada. No fim da rua, o blindado em chamas fazia a curva na esquina em que havíamos nos protegido, e fugia para a segurança dos exoesqueletos, ainda disparando contra os telhados e andares mais altos das construções do outro lado do quarteirão. Ajudei Lisie a entrar pela janela e juntos bloqueamos a porta com os resto de móveis e escombros. Nos encolhemos em um canto onde a corrente de ar gelado da noite era menor e esperamos as horas passarem.

Nossos sacos de dormir tinham ficado pra trás, mas não mais nos passou pela cabeça dormir naquela noite. O som de disparos tinha se afastado lentamente, até sumir à distância, e sequer um uivo dos diabos foi ouvido durante o resto da noite. Mas não foi o silêncio ou o sopro do vento que dominou a escuridão. Podíamos ouvir coisas se mexendo pelo breu, pulando de telhado em telhado, andando pelas ruas, esgueirando-se pelos becos, à espreita. As horas se arrastaram lentamente por nossos ouvidos, a cada rangido ou estalo do lado de fora.

-Está amanhecendo -falei, tossindo um pouco-, finalmente.

-Sua voz está horrível -falou Lisie, com uma careta.

-Acho que eu esqueci de engolir, na última meia hora -de fato, eu tinha passado um bom tempo absorto com os sons que nos cercavam, que por vezes me esqueci até mesmo de respirar por alguns minutos.

Pela manhã arrisquei olhar pela janela em que havíamos entrado. Nada se movia nos telhados além da neve e da poeira. A primeira luz da manhã trouxera um silêncio inquietante. Olhei para o beco que se estendia abaixo de nós, entre os dois prédios, e este também estava vazio. Decidi pular de volta ao segundo andar destruído do boteco, andei rapidamente por entre os escombros, e me escondi na parede oposta, logo acima da rua. Vislumbrei a rua por uma fresta e quase caí com o que vi. Lisie, ainda tomando coragem para pular da janela, percebeu meu susto e se abaixou atrás do parapeito. Na calçada, alguém abria o portão retrátil do boteco. Um estrondo metálico ecoou pelo prédio quando o metal enferrujado se retorceu sobre si mesmo abrindo caminho para quem quer que fosse entrar. Nos minutos que se seguiram outras três figuras se revezaram trazendo duas duzias de corpos de diabos para dentro do boteco. Pela escada eu podia ouvir o som dos corpos caindo na pilha, mas felizmente ninguém se aventurou ao segundo andar.

-O que aconteceu? -perguntou Lisie, pouco depois de as figuras terem ido embora.

-Não sei bem -respondi, puxando-a pelo braço em direção à escada-, mas acho que tenho uma ideia...

Junto à pilha de corpos de diabos havia um corpo bem mais humano, vestindo um antigo colete militar e uniforme com um brasão bastante familiar.

-Um soldado dos Deuses. Eram eles?

-Porque largariam o corpo de um dos seus aqui? Não, não acho que eram os Deuses -falei, me abaixando pera observar o corpo mais de perto com minha lanterna. Em um dos ferimentos do corpo do soldado dos Deuses havia algo brilhante e comprido. Puxei com a ponta dos dedos, limpei na roupa do morto e mostrei à Lisie. -Uma agulha magnética.

-Uma... agulha? -disse ela, incrédula, pegando a pequena e afiadíssima haste de metal.

-Tipo isso. E eles soldaram a porta, também.






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