Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

111. Chuva de Fogo

Pensei ter ouvido os diabos se levantando para roerem os ossos do que sobrou do dia anterior. Eu podia apostar que a grande maioria deles estaria escondida em buracos imundos ali por perto, só esperando a noite chegar para mais uma refeição fácil. Mas eu estava errado. Não eram aqueles cachorros asquerosos do nono inferno que estavam fazendo o barulho. Era algo maior. Bem maior. Algo mecânico, pesado, que parecia ecoar de todos os cantos. Se olhasse com atenção, veria a poeira do chão pular a cada pancada surda que se seguia. Lisie também tinha ouvido, mas nada disse, fitando a escuridão de olhos arregalados, como se os sons fossem aparecer escritos no véu da noite como legendas para que não perdêssemos nada do que acontecia.

Um minuto depois o céu despencou uma chuva de metal incandescente e fogo. Estilhaços de tijolo e concreto voaram de todas as direções. O ar foi tomado pela poeira que se erguia de todos os cantos, engrossando a cada segundo. A noite tinha se iluminado em tons de vermelho e branco, e sua trilha sonora agora retumbava explosões, estampidos e assovios inconfundíveis. Estavam disparando incessantemente sobre nós.

Não levou mais que dois segundos para decidirmos pular pelo buraco na lateral da casa, rumo à escuridão da rua. Pouco me importei em torcer o pé e espatifar por cima da lama e da sujeira, minha vida continuava agarrada á meu corpo, e isso bastava para afastar a dor. Lisie pousara com muito mais delicadeza, e não parara de correr mesmo quando a bandoleira de sua arma escorregou do ombro e ficou pendurada em sua mão, arrastando o cabo no chão. Os disparos continuavam varrendo o ar, espalhando metal e buracos pelas  casas, prédios, carros e ruas. Um dos projéteis passou fervendo ar debaixo de meu braço direito e atravessou as duas portas do utilitário parado do outro lado da rua. Os buracos que se formaram na lataria eram do tamanho da cabeça de uma criança, pelo menos. Um terceiro buraco tinha se formado na fachada do prédio, e eu era capaz de apostar que haveriam outros adiante na trilha de destroços. Tentei não imaginar o que aconteceria se uma daquelas merdas me atingissem, mas não pude deixar de pensar em carne moída e uma chuva de entranhas. O mínimo que se podia ganhar atingido por um daqueles disparos era ter um membro decepado e morrer agonizando com os órgãos rompidos pela onda de choque.

Viramos a esquina derrapando na poeira. Pulmões na garganta, mochilas e armas despencando pelos braços. Os flashes dos disparos davam uma visão em câmera lenta da realidade, como se estivéssemos em uma das antigas casas noturnas de Vale Vermelho ou Gran Valência. Os diabos de Bermil corriam de buraco em buraco, ganindo de dor com os rabos entre as pernas, tão assustados quanto nós. Por um segundo, quase senti pena deles. Mas o mundo tinha se silenciado de repente. E minha respiração junto, enterrando a pena enquanto me trazia de volta à realidade. Arrisquei olhar pela quina do prédio. Lá no fundo da escuridão, pouco antes do sobrado onde estivemos, dois olhos brilhantes, acima dos dois metros de altura, vasculhavam a rua. As metralhadoras giratórias, como as atingas gatling, ainda fumegavam, com os canos incandescentes girando lentamente.

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